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Quem é que manda aqui?

Por Eduardo Fernandes.

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Sempre fui intelectualmente arredio a chefes, porém, um tanto subserviente demais, na prática. Por dentro, Robespierre. Por fora, um serviçal, um samurai.

Essa é a fórmula perfeita para criar ressentidos. E ressentimento pode se manifestar em inúmeras formas: violência, arte, ativismo, isolamento, timidez, etc.

No meu caso, virei cientista político mesmo. Mais nicho ainda, estudava anarquismo. Consumia os filmes mais estranhos, as músicas mais dissonantes, os pensamentos mais desviantes e associava tudo isso à ideia de autonomia.

Ingenuidade, claro. Nossa época provou que radicalidade serve a todo tipo de ideologias, incluindo as autoritárias. Aprendemos bem demais a usar qualquer ideia como ferramenta de marketing. Por exemplo, usar a palavra democracia para defender a ditadura. Essas coisas simples.

Mas estou desviando do assunto, para variar.

A coisa mais útil que aprendi na minha carreira foi identificar onde estão os focos de poder de uma determinada situação de trabalho. É mais complexo do que descobrir quem é o/a chefe e como ele/ela “funciona”. A ideia é detectar a estrutura de poder vigente.

Por exemplo, em empresas pequenas e startups, geralmente há uma figura carismática ao centro. Às vezes, alguns sócios, cada um com seus apoiadores e críticos. Esse é o aspecto mais Game of Thrones. É o mais fácil de detectar e entender.

Porém, os subchefes, os cafés-pequenos, são muito mais difíceis de lidar. Eles são os mais ansiosos e controladores, graças ao desejo / esperança de ascender na hierarquia. Além do medo de perder a atual posição. No mínimo, tendem a ser apegados a procedimentos, rotinas e mumunhas.

Também há o poder não-humano, exercido por sistemas, como horários, burocracias e tecnologias (interfaces, IA, algoritmos). E os corporativos. Por exemplo, se você trabalha com mídia, geralmente precisa se adaptar às tendências de popularidade, às estatísticas e aos padrões estabelecidos por plataformas.

Claro, existem muitos outros focos de poder. Tantos que se diz que “quando tudo é política, nada é política”. Exatamente. Para certo pensamento Moderno, é difícil compreender essas não-dualidades e contrassensos. Onde há poder há resistência e vice-versa.

Mas o poder que dá mais trabalho é o da visão simplista, do viés limitado. Esse quem exerce somos… todos nós. Especialmente quando pensamos o mundo apenas via polaridades: quem manda versus quem obedece.

Isso desenvolve um desrespeito pela visão do outro. Mais: a incapacidade de enxergar o funcionamento complexo do sistema. E pode gerar a velha arrogância do leigo: sei tão pouco que acho que sei tudo. Quem nunca?

Poder não parece ser uma atividade de mão única: quando o exercemos, ele também nos controla. Quando obedecemos, de alguma forma, também comandamos. É uma codependência conflitante, se é que você me entende.

Rebeldia pode ser estilosa, pode dar uma sensação de sentido na vida. Mas, naturalmente, ela cria novas configurações de poder. Autoridade pode parecer insuperável, mas é cheia de fragilidades. Então, não existe saída mágica, infelizmente.

Muitas vezes, em minha carreira, minha “obediência” servia quase como assistência social. Alguns dos meus “chefes” pareciam tão absolutamente encurralados pela situação de poder que me davam uma certa dó.

Desculpem-me se soo arrogante. Mas era o que eu sentia. Só pelo fato de eu não questionar uma certa instrução, causava alívio mútuo. Sem falar no tempo livre que liberava para me dedicar a coisas mais importantes.

Não que eu tenha resolvido minhas dificuldades com autoridades. Porém, tento manter pelo menos a disposição para enxergar o trabalho sem usar apenas os sistemas simplistas Modernistas / dualistas de pensamento.

Quem manda aqui? Uau. Muita coisa. Muita gente. Ao mesmo tempo. Por onde você quer começar?