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Sob pressão

Por Eduardo Fernandes.

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Então agora Elon Musk é o maior acionista do Twitter. E, aparentemente, a ferramenta se conecta ao seu famoso master plan.

Ao saber da notícia, meu primeiro ímpeto foi adicionar no currículo que sou funcionário dele -- o que, talvez, valorizasse meu passe. Mas a verdade é que praticamente nem uso o Twitter.

Ainda assim, o interessante é que a notícia saiu praticamente logo que o fundador, Jack Dorsey, publicou o seguinte texto, no perfil dele:

"o tempo da usenet, irc, da web… mesmo do e-mail (com PGP)… era fantástico. centralizar a descoberta e a identidade em empresas danificou de verdade a internet. Entendo que parte da culpa é minha, e me arrependo."

De longe, parece que o Twitter está no meio de duas forças opostas: de um lado o dionisíaco, impetuoso, acelerado, Musk e, de outro, o autocrítico e pensativo Dorsey (que deixou de ser CEO da empresa faz pouco tempo).

Claro, hoje em dia, é de se desconfiar de que isso seja mais uma armação. Talvez, Dorsey e Musk estejam agindo coordenadamente num mesmo teatro macho-man, que visa concentrar todo o dinheiro e poder, antes que o planeta se dissipe via aquecimento global e/ou bombas. Mas quem sou eu para saber?

Vou tentar ser generoso e assumir que vemos aqui dois estágios do mesmo problema: o do solucionismo. Essa coisa do "eu resolvo, deixa comigo, sei o que fazer".

Musk ainda estaria no calor, no entusiasmo do solucionismo. Dorsey, no rebote, na visão de quem empreendeu e percebeu que não era bem assim, que a realidade não funciona só à base de entusiasmo individualista.

Outro dia, vi o seguinte meme:

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Explico para os mais jovens: a piada é citar músicas de uma banda chamada Queen. Isso me deu a ideia de estender essa metáfora e propor que o solucionismo tem, pelo menos, 3 fases queenicas:

  1. We are the champions - quando começamos um empreendimento, achando que as tarefas serão relativamente simples, que só precisaremos colocar energia e esforço para destrinchar a coisa toda. "Eu sou um resolvedor de problemas!"

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  1. Under pressure - quando percebemos que, como diz Nassim Nicholas Taleb, "é melhor não se meter com sistemas complexos". Ou seja: fica evidente que teremos que lidar com ciclos (naturais e humanos), descontinuidades, vieses múltiplos e novos problemas que surgem das soluções. Aí começamos a questionar entusiasmos simplistas. E a emitir alguns falsetes.

  2. Bohemian Rhapsody - acontece quando falhamos e entramos num ciclo de vergonha e autopunição até infantil ("mamãe, eu matei um cara", "sou apenas um pobre sujeito, ninguém me ama"). Em casos mais extremos, caímos no burn out, falamos coisas sem sentido ("scaramooosh, scaramoosh"), buscamos escapismo ("mamamia let me go"), nos vitimizamos ("Belzebu designou um demônio para mim"), etc.

Não é que eu esteja advogando pela ausência de ação. Nem pretendo fundar uma nova seita quietista. Mas, definitivamente, desconfio da epidemia de solucionismo, da proatividade cafeinada, de macho-man bilionário disruptivo, de "resolvedores" individualistas de problemas. No limite, essa é a mentalidade que ajuda a fortalecer coisas como o neo-nazismo e o populismo.

Precisamos rever a história da invenção e essa valorização unilateral da "gente que faz", em detrimento daqueles que previnem, que agem no momento certo, dos que praticam humildade frente às múltiplas causas e consequências de cada ato. A partir daí, revalorizar a comunidade, a diversidade, a dinâmica e não somente o ritmo acelerado.

Musk pode ser um personagem divertido, com sua energia saltitante e seus planos mirabolantes. Mas, como todos nós, ainda é um gato brincando numa loja de cristais.

Vamos torcer para que Dorsey tenha realmente percebido algo semelhante sobre si mesmo. E que não vá aparecer em breve com outra ferramenta para tentar salvar o mundo.

Mas, claro: a vida também pode provar que estou errado -- o que acontece quase sempre. Nesse caso, qual é o link para instalar o novo aplicativo solucionista mesmo?