Por Eduardo Fernandes.
Imagem de Sagar Dani para o Unsplash.
Transcrição do episódio #
Na newsletter Texto Sobre Tela da semana passada, eu contei a história de como uma escritora chinesa teve um livro censurado direto no processador de texto on-line. Um dia ela foi revisar o material e, oops. Foi impedida. Perdeu o acesso ao arquivo.
Quando a gente ouve essas coisas, a primeira reação é medo. Mas a gente se esquece do quanto a manipulação e a censura já fazem parte do nosso dia a dia. São tantas técnicas trabalhando em paralelo que é de se espantar que a gente consiga se comunicar, afinal.
Então, resolvi fazer uma lista – obviamente incompleta – de técnicas de controle ideológico que nós usamos (consciente ou inconscientemente) no cotidiano. Isso não diminui o problema da censura tecnológica ou Estatal, mas coloca as coisas em perspectiva.
A ideia aqui é nos blindar contra discursos demagógicos que usam a defesa da liberdade de expressão como desculpa pra ainda mais manipulação. Vamos lá.
- Network effect: incita as pessoas a gastar tempo e energia em ambientes controlados e proprietários. Como, supostamente, todo mundo usa aquele aplicativo, eu também preciso usar.
- Melhores práticas: esses ambientes têm regras específicas. Para você ser bem-sucedido ali, é obrigado a se adaptar, censurando e “esculpindo” seu comportamento. Por exemplo, criar textos curtos e emocionais no Twitter, fotos engraçadinhas nas thumbnails do YouTube, etc.
- Desvio de atenção: criam-se factoides ou fenômenos que consomem o tempo e a energia das pessoas. Não é que elas sejam diretamente censuradas. Elas ficam tão distraídas nos factoides que não têm tempo pensar sobre outras coisas.
- Desinformação: espalham-se informações desencontradas e polarizadas sobre certos assuntos. Isso cria pânico moral, desconfiança e até violência entre os interlocutores. As pessoas sentem-se esgotadas, impotentes e amedrontadas.
- Pressão dos pares: é o medo de ser rejeitado e o desejo de ser aceito numa comunidade.
- Desestabilização: atacar instituições e pessoas continuamente (enfatizando: continuamente) para criar pessimismo e desconfiança generalizadas.
- Emergencialização: cria-se um sentimento de emergência, no qual leis radicais passam a ser toleradas. Isso solidifica a infra-estruturas sócio, políticas e tecnológicas de repressão e vigilância.
- Medo da violência: criam-se atentados e atividades repressivas que, naturalmente, serão amplamente noticiadas. Isso fortalece o medo de se expressar.
- Impedimentos tecnológicos: Mais ou menos o que aconteceu com a escritora chinesa. Também entram nessa categoria os hackings, “defeitos de fabricação”, padrões obscuros de interfaces, tudo o que obstrua ou impossibilite a comunicação.
- Tribalismo: tudo o que você faz é calculado para entender se você está defendendo ou traindo uma determinada ideologia, ou comunidade.
- Apelo para emoções aflitivas: criam-se incentivos para debater assuntos de uma forma rápida, descontextualizada, ou usando enfoques emocionais e indignados. Basicamente, você fica limitado a apenas se defender e atacar.
- Gaslithing: a ideia é distorcer fatos e narrativas de modo a fazê-lo duvidar de si mesmo. Por exemplo: você sofre assédio sexual. O assediador diz que não, você está maluca, que não entendeu o que ele disse. Então, você se questiona: “será que eu exagerei?”
- Comprar favores / controlar os outros com dinheiro. Autoexplicativo. A ideia é forçar gratidão e criar o desejo de retribuir. Com isso, a pessoa controlar a fala e o comportamento dos outros ao longo do tempo.
- Medo de perder privilégios e status social. Você oferece uma posição de prestígio para outra pessoa. E ela reconstrói toda a vida em torno disso. Então, passa a ter medo de perder o que conquistou, agindo de modo conservador e também manipulativo.
- Apelar para a compaixão do outro, para o senso de compromisso ou de culpa. Se fazer de vítima, manipular a narrativa de modo a fazer o outro sentir-se responsável por um determinado sofrimento ou problema.
- Dividir as pessoas em subculturas cada vez mais específicas, de modo que elas gastem muito tempo saboreando e fortalecendo suas identidades de nicho, perdendo a noção de pertencer a uma sociedade mais ampla.
Ufa.
Manipulação ideológica é um assunto complexo. Muitas vezes a gente é vítima, mas também é algoz. Ou até os dois, ao mesmo tempo. Até certo ponto, combater censura e manipulação é um processo de olhar para fora. Mas também exige muita prática de olhar para dentro, de autoconhecimento.
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