Por Eduardo Fernandes.
Sam Bankman-Fried, da FTX, o mais recente caso de herói da tecnologia que caiu do trono.
Essa frase vai soar estranha, mas lá vai: estou (relativamente) otimista com o atual cenário da tecnologia.
Como assim? A eleição no Brasil foi um estresse infinito por conta da manipulação nos aplicativos de mensagem. Supostamente, Elon Musk está destruindo o Twitter. Demissões em massa se proliferam na big tech. FTX implode, abalando ainda mais o mercado de criptomoedas. E por aí vai. Como acreditar que esse copo de chorume está meio cheio?
Não é que eu queira bancar o aceleracionista. Mas, já que a destruição está em curso, melhor usá-la a favor. Quer dizer: abraçar a oportunidade de, finalmente, entender a fragilidade dos paradigmas que sustentaram a implementação não só da Big Tech, mas de toda a cultura em torno da tecnologia nas últimas décadas.
Mais do que nunca, está claro que:
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A narrativa dos gênios individuais inovadores é uma falácia. Steve Jobs, Elon Musk, Bill Gates, Vitalik Buterin, Sam Bankman-Fried, entre tantos outros, dependeram de muitos fatores e pessoas para desenvolver suas carreiras.
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Acreditar em indivíduos criativos, supremos e infalíveis é tão ingênuo quanto acreditar em Papai Noel. Os “gênios” erram. E mentem. E perdem contato com outras realidades.
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A “benevolência” das empresas de tecnologia é perigosa. É como acreditar em bandido que defende a favela. Aparentemente, ele pode ser útil, mas a que custo? E por quanto tempo?
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O discurso de racionalismo, utilitarismo e antipolítica dos líderes da cultura tech é cheio de incoerências. Muitas vezes, é uma combinação de ingenuidade, demagogia, falta de estudo sistemático, arrogância e, definitivamente, incompreensão da interdependência das coisas. Mas também pode disfarçar a crença em valores de extrema-direita, vendidos como inovação e altruísmo.
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O ambiente de trabalho da tecnologia – unido com a possibilidade de acumular fortunas rapidamente e ainda quando jovem – pode levar a atitudes que beiram a sociopatia.
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Tecnologia não é (só) brinquedo. Enquanto pulamos de um aplicativo para outro, procurando o próximo almoço grátis, deixamos rastros de dados que podem ser explorados, fragilizamos nossa saúde mental e nos tornamos dependentes de companhias que mudam de estratégia o tempo todo.
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Viver com a cara na tela o dia inteiro traz múltiplas consequências. Dois podcasts para entender como isso pode afetar a capacidade de leitura, compreensão e organização social.
É claro que cada um desses itens mereceria ser aprofundado. E é o que tentamos fazer aqui ao longo desses anos. Mas, por hora, a ideia é enfatizar que a sujeira saiu do bueiro. As externalidades se tornaram centrais.
Agora é hora de mostrar alternativas e imaginar outras lógicas:
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Em vez de ampliar a narrativa do indivíduo supremo (tanto para criticar quanto apoiar), focar na interdependência e coletividade.
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Trocar a infantilidade do “grátis” pelo uso responsável e cooperativo dos recursos tecnológicos.
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Abandonar o desespero pela fama e reconhecimento. Buscar suporte mútuo da comunidade. Em vez de pendurar números em perfis, tornar-se uma caricatura ou uma máquina de produzir engajamento, cuidar da saúde mental.
A tecnologia precisa voltar a ser ferramenta. O que já seria muita coisa.
Bônus: Em entrevista a um podcast da Vox, o historiador da economia, Brad DeLong, explica porque o século do livre mercado pode estar acabando.
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