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A morte do jornalismo musical

A morte do jornalismo musical

Por Eduardo Fernandes.

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Imagem de Tim Toomey, via Unsplash.

Parece que o Pitchfork está com os dias contados. Durante os anos 2000, o site era um dos principais destinos pra pessoas interessadas nesse estranho gênero literário criado (talvez) nos anos 60, chamado crítica musical.

O próprio nome era bem enganoso. Por alguns motivos:

O que era a tal crítica musical, então? Essencialmente, ensaios ou crônicas comportamentais. Muitas delas baseadas no storytelling criado pelos departamentos de marketing de gravadoras. Ou nas convicções morais e ideológicas do articulista.

De certa forma, era um cenário parecido com o que conhecemos hoje como influencers. Muitos autores criavam uma vibe em torno de si e conseguiam seus seguidores. Era um diletantismo empoderado, que buscava mentes ansiosas por criar uma identidade e pertencer a um grupo.

Esse microcosmo estava baseado na cultura pop e em alguns tipos de literatura. Tudo traduzido por alguns conjuntos de expectativas morais e culturais vigentes na transição do século 20 pro 21.

Crítica musical, stricto sensu, ainda deve existir nos meios acadêmicos. Nesse caso, demanda um conhecimento técnico sobre música. Senão a conversa descambaria pro campo comportamental. O que não é, necessariamente, ruim. Só não é “crítica musical”.

O que estou tentando dizer é o seguinte: se você quer saber mesmo sobre música, não faltam opções. E música pode ser abordada por muitos ângulos. Hoje temos muito mais acesso a detalhes sobre engenharia de som, arranjos, marketing e distribuição de música.

Por exemplo, nos anos 2000, talvez falássemos genericamente sobre como o engenheiro de som Steve Albini influenciou a sonoridade e atitude do chamado “movimento” grunge. Agora, Albini filma seu estúdio. Mostra detalhadamente como grava baterias. Fala, por si mesmo, das suas ideologias e se elas influenciavam seu trabalho técnico.

Já o youtuber Rick Beato faz um papel semelhante ao da divulgação científica. Quer dizer, traduz conceitos técnicos pro público leigo. O podcaster Marc Maron entrevista músicos e entra em detalhes que eles só revelariam aos terapeutas. As bandas mostram seus cotidianos (pro bem e pro mal). E influencers ligados a subgêneros pop e estéticas de nicho se multiplicam num ritmo cada vez mais acelerado.

Então, não é que a crítica musical tenha morrido. O gênero literário “comentário cultural vagamente baseado em storytelling em torno de certo tipo de música pop” é que migrou. Do texto pra outras mídias (como YouTube e TikTok).

Aí é que está a questão.

Ao longo dos últimos 20 anos, o suprimento de comentários culturais (das esquerdas e direitas, dos robôs e dos humanos) cresceu tanto que muitos de nós já estamos naquela fase do porre no qual abraçar o vaso sanitário soa como uma excelente ideia.

Ou seja: não estamos nostálgicos do auge do Pitchfork. Temos material muito melhor disponível. E em mega abundância. É só saber procurar.

O que não temos mais é aquela combinação de ingenuidade, sobra de tempo, escassez de informação e níveis mais regulados de dopamina, que nos fazia acreditar em qualquer coisa que parecesse revolucionária. Até mesmo em cortes de cabelo.

Afinal, talvez isso seja um processo extremamente positivo: está purificando nossa crença fanática nas mecânicas e valores da cultura pop. Mostrando que o apego ao entretenimento também tem consequências, como acontece com comida processada, excesso de trabalho, etc., etc.

Talvez esse enjôo geral esteja abrindo nossas mentes pra outras percepções e diversões, fora do universo do hype, consumo e crítica. Se isso for verdade, descanse em paz, Pitchfork.