Por Eduardo Fernandes.
Transcrição #
Parece que o fenômeno Round 6 está crescendo cada vez mais. Já é uma das séries mais assistidas da Netflix. É a segunda produção sul-coreana recente a virar um estrondoso sucesso tanto de crítica quanto público. A primeira foi o filme Parasita, de Bong Joon Ho, de 2019, que chegou a ganhar Oscar.
Assim, faz sentido perguntar: será que existe um novo gênero, uma nova estética surgindo? A crítica social sul-corena?
Veja, esses trabalhos têm algumas características em comum: a mais evidente é o uso da violência splatter, com muito sangue, mortes absurdas e exageradas.
Também há uma certa gameficação das desigualdades sociais. No caso de Round 6, são pessoas endividadas e excluídas dos supostos benefícios do capitalismo asiático ultra acelerado. No caso de Parasita, a coisa é mais sutil: os expectadores são convidados a assistir a uma espécie de jogo de enganação, um xadrez entre patrões e empregados, enquanto um underground ainda maior está escondido no porão.
Vale lembrar que Bong Joon Ho também adaptou o quadrinho francês Snowpiercer, em que assistimos uma sangrenta batalha videogamica entre excluídos e elites dentro de um trem viajando num planeta Terra congelado, pós-apocalíptico.
Note que, além do estilo um tanto gameficado, essa nova crítica social sul-coreana tem uma estética um tanto parecida com a de vídeoclipes. As direções de arte são um tanto saturadas, cheia de cuidados com tipografia, packaging e design. Parecem produtos culturais pós-MTV, mas também pós-Apple.
A visão de como funcionam os seres humanos é um tanto particular: como em outros tipos de crítica, os personagens aparecem embrutecidos pelas contradições sociais, porém, eles não só violentos, não são só depressivos. Eles se tornam trambiqueiros.
Em Round 6 há um esforço um pouco maior na busca pela redenção, em acreditar que, no fundo, pelo menos alguns personagens podem ser bondosos e dispostos a sacrifícios altruístas.
Já os ricos são vistos como infantis, entediados e dispostos à extrema crueldade só para experimentar um momento de humanidade, geralmente resgatada à força de um passado idealizado, no qual ainda não estavam totalmente envolvidos com a busca incessante por manter seu poder e status.
A última característica que eu queria chamar atenção aqui é a dessexualização dos filmes. Parece que, para essa nova crítica sul-coreana, os extremos da violência são mais desejáveis do que os extremos do sexo. O que é um fenômeno interessante, quando comparado com parte da crítica social europeia que circulou durante o século 20, que investigava muito o sexo e suas implicações culturais.
Enfim, eu mesmo não sou fã nem de Bong Joon Ho, nem de Round 6. Mas estou de olho nesse fenômeno da gameficação da violência, que é um desenvolvimento da estetização da violência. Em especial, porque ela vem com essa, talvez, desculpa, de servir à crítica social, ou crítica contra o capitalismo.
Vamos ver no que isso vai dar. Em especial quando a Netflix (ou outras plataformas) tentarem replicar o sucesso dessa fórmula. Em outras palavras: será que a violência gamificada será mesmo a base do entretenimento? Autores de terror mais psicológico e sexualizado, como Dario Argento, vão ser considerados fraquinhos e aguados?
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