Por Eduardo Fernandes.
Update em 23/06/2022: A Cia das Letras anunciou que vai lançar o livro no Brasil em agosto.
Não sei se alguma editora pretende lançar no Brasil The Dawn of Everything: A New History of Humanity, dos Davids Graeber (foto acima) e Wengrow. Se não, deveria. Agora.
Em tese, esse é um livro feito para desmistificar obras de Ciências Sociais Pop, como as de Steven Pinker e Yuval Noah Harari. E segue o melhor espírito: "espere aí, vamos reler essas estatísticas que vocês apresentam, vamos checar essas fontes".
Graeber e Wengrow compilam (num texto bastante claro e objetivo) séculos de críticas ao modo Iluminista / Liberal de pensar a realidade -- esse conjunto de vieses que, ao mesmo tempo, sustenta e destrói nossa sociedade já há alguns séculos.
É um trabalho bastante audacioso. Ainda mais do que o clássico Dívida, os Primeiros 5.000 anos, de Graeber (hoje em dia, vendido por uma pequena fortuna). O gigantesco esforço intelectual aqui foi o de analisar dados de pesquisas antropológicas recentes, além de reler clássicos das Ciências Sociais acadêmicas.
O arqueólogo David Wengrow.
Acaba que o livro acerta bem no alvo de questões que estão particularmente quentes hoje em dia, como as consequências espirituais, intelectuais, sociais e econômicas do colonialismo.
Nos primeiros capítulos, há até uma tentativa de repensar a influência que os povos nativos (americanos, asiáticos e outros) tiveram nos pensadores europeus:
Muitos pensadores Iluministas conhecidos chegaram a admitir que algumas das suas ideias foram diretamente tomadas de fontes nativo-americanas. Ainda assim, previsivelmente, hoje, historiadores das ideias insistem que isso não poderia realmente ser verdade. Assume-se que nativos viviam em universos completamente diferentes, que até habitavam uma outra realidade. Tudo o que os europeus diziam sobre eles era simplesmente uma projeção de sombras, fantasias do 'nobre selvagem', derivadas da própria tradição européia.
Graeber e Wengrow mostram que até mesmo pensadores europeus clássicos, como Rousseau, Hobbes, Leibniz, vêm sendo sistematicamente mal interpretados ou simplificados para defender certos sistemas políticos e econômicos. Textos que eram experimentos intelectuais foram considerados explicações de como funciona a humanidade.
Por exemplo, a própria necessidade de definir e pensar sobre desigualdade só teria nascido a partir do contato dos europeus com civilizações que lhes pareciam estranhas, espantosas e até incompreensíveis. No entanto, esse conhecimento local e específico foi distorcido para criar teses e aspirações grandiosamente vagas.
Basicamente, é como se alguém tropeçasse num laptop na rua, pensasse que é um travesseiro, criasse todo tipo de justificativas intelectuais e até um business em torno dessa ideia.
Claro que estou simplificando aqui. Mas isso é algo que The Dawn of Everything continuamente se recusa a fazer. Minha tese é a seguinte: se você quer entender porque o colonialismo ainda está vivo e saudável, aí está um bom livro para começar a investigar.
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