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A voz de Stanley Kubrick

Por Eduardo Fernandes.

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Olá, espero que você esteja bem.

Provavelmente, você já sabe que, em 2020, a Mostra Internacional de Cinema de SP também migrou pra Internet. É possível alugar filmes por R$ 6. E aí você tem até 3 dias pra assisti-los.

Nos meus tempos de jornalista em SP, eu costumava cobrir a Mostra. Assistia a cerca de 6 filmes por dia e escrevia sobre eles à noite. Neste ano, por enquanto, só tive tempo de ver Kubrick por Kubrick, do diretor francês Gregory Monro.

O documentário traz o áudio de raríssimas entrevistas de Kubrick pro crítico Michel Ciment, um dos poucos jornalistas a ter acesso a ele.

Tudo montado com animações de 2001 - Uma Odisséia no Espaço, que dialogam com imagens de bastidores dos clássicos do diretor norte-americano. E, claro: há também os costumeiros depoimentos de atores sobre o estilo obsessivo, meticuloso e ditatorial de Kubrick.

Na boa, o filme não acrescenta muito ao mito. Mas ouvir Kubrick refletindo sobre o próprio trabalho sugere uma humildade que muitas vezes é negada ao seu personagem.

No documentário, pasme, Kubrick parece bem mais improvisador do que eu imaginava. Parte das suas estratégias narrativas surgiam durante as filmagens, quando todos (técnicos e atores) já estavam esgotados de repetir a mesma cena dezenas de vezes.

É o velho método Phil Spector: quando alguém está exausto, ressentido e raivoso, com suas artimanhas de convencimento e proteção comprometidas, pode acabar "explodindo" numa performance melhor.

Não sei. Eu é que não vou promover essa fórmula. Ainda que tenha que experimenta-la com frequência e que entenda seu mérito ocasional.

Essas coisas só funcionam quando o incitador do caos tem uma mente muito espaçosa e capaz de lidar com o ódio que desperta nos colaboradores. Não é pra qualquer um. No mínimo é preciso ter carisma e despertar muita devoção.

Um incitador inseguro, egomaníaco ou simplesmente cego aos sinais do grupo e das circunstâncias, provavelmente, não terá memória RAM pra, no meio da tensão, gerenciar e, ao mesmo tempo, criar. Apenas vai acabar abandonado ou cancelado.

De qualquer forma, lá pelas tantas do documentário, eu me perguntava: por que assisto a essas coisas? Por que tantos documentários sobre artistas? Por que tantos podcasts sobre músicos e "realizadores"? O que eu realmente aprendo com isso?

Veja: boa parte dos artistas afirma não saber, exatamente, o que está fazendo. Diz que experimenta, falha, tenta de novo e de novo. Mas parte do meu cérebro não quer acreditar nisso e continua buscando "segredos".

Muitos dos criadores declaram abertamente que são "vítimas" e/ou "abençoados" pelas circunstâncias. Por mais controladores que sejam, na prática, funcionam mais como conectores de inúmeras causas interdependentes que vão surgindo e se transformando na sua "obra". No fim, somos meio que obrigados a declarar: ele fez isso, eu fiz isso.

O que é particularmente claro com músicos. Notas e palavras vão surgindo, quase que se revelando ao artista, que vai negociando entre trabalho duro (que amplia a capacidade de perceber e executar ideias) e o relaxamento (capacidade de não deixar o intelecto impedir a criação).

Assim, não se trata nem de um extremo, nem de outro. Nem de inspiração concedida como graça, nem de milhares de horas de treino. Ao mesmo tempo, tudo isso influencia.

Mas por que ainda preciso ouvir mais um criador falando sobre isso? Por quê? Por quê?

Hábito, claro.

Imagino que também seja pela fascinação de entrar na vida de alguém que considero "interessante". Talvez numa tentativa de aproximação segura. Espiar pela janela, sem ter que aguentar a pessoa no cotidiano.

Talvez pelo hábito de tentar descobrir em que “trecho” da estrada da criatividade estou. É um tanto embaraçoso admiti-lo aos 45 anos de idade. Mas hábito é fogo.

Há também o treinamento Moderno de cultuar autores. Afinal, que alternativa temos? Prestar louvores à complexidade de fatores psicológicos, momentos históricos e tecnologias disponíveis em cada época? Imagine um discurso de recebimento do Oscar: "eu agradeço àquele ônibus que não me atropelou na adolescência. Muito obrigado, equipamento que falhou".

Por outro lado, esse culto ao "realizador" (e o medo de se tornar um "não-realizador") é algo estrutural do ego. Não deve ser só coisa da Modernidade. Até mesmo os budistas tibetanos têm o Namtar, que são biografias e/ou autobiografias de grandes praticantes – que precisam ser consideradas com cuidado, já que, nessa tradição, não há um ego que possa adquirir "superpoderes espirituais" e dar carteirada nos outros.

Enfim, o mito de Kubrick não depende dele. Depende de nossa repetida reconfiguração ao longo dos anos. E também das liberdades e desafios da época em que ele viveu, da raiva e do cansaço dos seus colaboradores, das condições psicológicas e pulsões de todos eles. Kubrick é um coletivo. Um Koletivo.

Ainda assim, é só dizer que há uma nova biografia dele, que lá vou eu, docilmente, bovinamente, gastar meus R$ 6, buscando uma nova lição de vida. Como diria Anthony Fantano, um decente 6 pro documentário. E um 10 pra força do hábito.


Ferramentas #

O Vimeo lançou uma ferramenta pra gravar e enviar mensagens em vídeo direto do navegador. É uma extensão pro Chrome. Hoje em dia, que todo mundo precisa mandar vídeos por aí, vale conferir.

Outra: também é possível criar lembretes no navegador e enviar pros outros. Que perigo.

A Tokyo Dawn Labs, minha empresa favorita de plugins gratuitos pra masterização de áudio, lançou mais um compressor incrível.

Finalmente, o episódio "We Go All", do Rabbit Hole, série curta de podcasts do New York Times, é uma das melhores coisas que só descobri nessa semana.


Podcast: Halloween merece um update? #

Os anos passam, os nossos medos mudam radicalmente, mas o Halloween continua firme na sua celebração de caveiras, fantasmas, terror retrô e filmes B. Em tempos de COVID-19, será que o Halloween ficou meio obsoleto? Discuto isso aqui.


É isso por hoje. Obrigado por ler.

Abraço,

Eduf


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