Por Eduardo Fernandes.
Todo mundo tem insônia, não é? Deve ser a coisa mais universal do universo. Todo mundo sabe o que é perder horas pensando infinitamente, até que você colapsa e, finalmente, dorme. Ou o despertador toca e você é obrigado a se levantar.
No meu caso, quando acontece, geralmente é um fenômeno bastante corporal. A primeira coisa que percebo é o ritmo alterado do coração. Às vezes, super acelerado, às vezes, lento.
De qualquer forma, o corpo não fica confortável em posição nenhuma. E tudo o que você quer é “resolver” o problema. Ou seja: analisá-lo, encontrar uma explicação lógica, colocar tudo em contextos.
E é aí as coisas ficam piores.
Por mais que você tente domar a insônia, fica perdido em explicações, críticas, autocríticas, metacríticas, retro-críticas e por aí vai.
Em especial, escritores e intelectuais tendem a se enrolar ainda mais, por causa do hábito de conectar narrativas. É que nós queremos usar qualquer coisa para criar, escrever, analisar, etc. Então, é difícil desligar a máquina de proliferação de pensamentos.
No calor da insônia, você acha que está escrevendo a nova Ana Karenina, o novo Capital ou realmente entendendo porque alguém lhe prejudicou. No dia seguinte… meh.
Não nego que engajar em reflexões durante a insônia seja útil (ou até necessário) de vez em quando. Mas, sejamos honestos: para a maioria de nós, esses momentos obsessivos só levam a um prolongamento do sofrimento. É como se tivéssemos um balde furado e tentássemos conter o vazamento jogando mais água nele.
É por isso que, durante esses momentos de ansiedade, algumas pessoas tentam se focar na respiração, em técnicas para se acalmar e até remédios. Muita gente assiste a um filme ou mexe no celular, distrações que não exigem muito esforço de concentração.
Mas o que eu queria dizer é o seguinte: durante um ataque de pensamentos obsessivos, nos focamos demais na coerência do discurso. Quer dizer, tentamos extrair sentidos, analisar, reagir racionalmente, controlar a coisa toda. Ou seja, tentamos forçar uma coerência e uma utilidade para a situação.
Mas a insônia é um momento essencialmente caótico. É um outro estilo de pensamento, extra racional, que pode ser experimentado de outro jeito.
É uma energia difícil de suportar porque desafia as nossas ideias do que significa estar seguro. Como numa bad trip, incita muita ansiedade, traz muita informação que não pode – e talvez não deva – ser processada linearmente, de uma só vez.
Como a insônia não pode ser domada completamente, podemos seguir o fluxo, focar no oposto do controle: a experimentação. A ideia se observar e “se assistir assistindo” a como aqueles pensamentos vêm e vão.
É como se você estivesse vendo uma paisagem na janela de um carro em movimento. O cenário vai mudando constantemente e você sabe que aquilo é uma ilusão. Tudo vira uma espécie de borrão. E você não tenta organizá-lo.
Como todos sabemos, existem momentos de bagunça e de calmaria. Nenhum deles é permanente. Mas, como somos viciados em solucionismo, em tentar resolver as coisas imediatamente, por meio de saídas aparentemente racionais, é extremamente desconfortável ter que encarar os lados mais caóticos da mente.
Mas pense em gente como o cineasta David Lynch ou Salvador Dali: eles tentam, do jeito deles, reproduzir, estetizar e re-experimentar esses ritmos caóticos da mente. Há uma fascinação em saber como eles funcionam.
Todos nós temos esses momentos surrealistas imergindo na mente. Mas poucos desenvolvem um paladar para saboreá-los. Temos medo de perder o controle. Assim, só conseguimos experimentá-los no cinema ou com algum tipo de droga. Precisamos sentir que separamos um espaço nas nossas vidas para sair da linearidade. Precisamos de uma permissão pessoal-social para endoidar por uns minutos.
É claro que eu não sou psiquiatra. Nem estou simplificando e dando “dicas” de saúde mental. Também entendo que existe a insônia crônica, que pode destruir uma pessoa. Esses casos, precisam de ajuda qualificada e não de um escritor como eu.
Só estou compartilhando como eu costumo lidar com a insônia. Sofro como qualquer pessoa, claro. Mas sofro menos quando consigo apreciar a insônia como um filme experimental, em vez de uma cédula de identidade ou tese de doutorado. É uma mistura de curiosidade com paciência. Sei que vai passar. Mas como é agora?
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