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Alucinando no trabalho

Por Eduardo Fernandes.

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Antes de começar, uma promessa: este será meu último texto sobre social media e bilionários.

Tudo bem que a proposta desta newsletter seja investigar tecnologia e cultura buscando autoconhecimento. Mas já me repeti demais. Não quero mais me deixar pautar por esses assuntos que, embora importantes, são muito restritivos.

Vamos mudar esse sistema operacional.


Ainda assim, hoje partiremos de algumas frases publicadas logo que o Twitter foi comprado por Elon Musk, nesta semana.

O "Block Head", ex-CEO do Twitter, Jack Dorsey tuitou o seguinte:

"O Twitter é a coisa mais próxima que temos de uma consciência global.

Com 330 milhões de usuários ativos (em 2019), o Twitter seria uma espécie de consciência global. Global por amostragem. A empresa esqueceu de convocar cerca de 7 bilhões de humanos para o empreendimento.

Imagine a quantidade de discursos, linguagens, lógicas, saberes tradicionais e sociabilidades que estão fora do Twitter ou nunca se enquadrariam nele. Se nem a Biblioteca de Babel daria conta do recado, imagine um aplicativo.

(...) Elon é a única solução (para a empresa) em que confio. Confio na sua missão de estender a luz da consciência."

De onde se deduz que a iluminação que Musk quer promover viria da tecnologia, de inovações no transporte, de viagens espaciais e de implantes cerebrais. Ou Musk teria um plano mais espiritual, que eu não conheço (é sempre uma hipótese).

Já, o próprio Elon Musk disse que:

"O Twitter é a praça pública digital onde são debatidos os assuntos vitais para o futuro da humanidade."

Questionável. Isso, naturalmente, ignora espaços digitais como Telegram, Discord, open web, entre muitos outros.

"Mas muita gente influente está no Twitter!" Depende do que você considera influente. Autores (historicamente) muito mais importantes estão nas bibliotecas. E, em países como o Brasil, até igrejas podem exercer mais poder do que o Twitter.

Mas, pelo jeito, eu preciso seguir as mesmas pessoas que Musk, já que minha timeline parece tratar de assuntos bem mais triviais, como o comportamento de Johnny Depp, as declarações factoides de presidentes, resmungos sobre TV, etc.

Dependendo da sua orientação ideológica, parece que a compra do Twitter ou salvou ou ameaçou a democracia. Mas e se os servidores da empresa simplesmente caíssem amanhã? Seríamos todos devorados pelos zumbis de Stalin, Mussolini, Franco e Pol Pot? Pelo jeito, os sysadmins do Twitter terão que ser recrutados em Asgard. Se o Twitter cair, a Internet morrerá. E começarão as guerras civis.

O jornalista Peter Kafka mostra um outro lado da companhia, no Recode:

Como negócio, o maior problema do Twitter — com o qual a empresa sempre sofreu — é que é um serviço gratuito, mantido por anúncios, que não tem um número de usuários suficiente para atrair anunciantes.

Para Kafka, o problema é que falta gente no aplicativo, que a praça está vazia. O jornalista nos informa que, faturando U$ 5 bi por ano, o Twitter é considerado quase que um fracasso -- afinal, o Google faz cerca de U$ 257 bi e a Meta, U$ 117. Ou seja, ou bilhão é o novo centavo, ou os custos da empresa são mesmo estratosféricos.

Viajando na tecnologia #

As três citações acima são um bom exemplo de alucinação, de viagem tecnodélica (e não, não vou, aqui, julgar as intenções políticas e econômicas dos autores). É fácil criticar e escarnecer dos jornalistas e empresários da área de tecnologia. Mas eles sofrem de um problema muito disseminado: achar que o mundo inteiro funciona conforme a sua área de trabalho.

Emprego pode ser um alucinógeno poderoso. Pior: às vezes, ele é realmente influente (como, por exemplo, as áreas de finanças ou medicina). Ainda assim, não é o todo. E nem é estável. Um vírus pode alterar a economia. Um micro acidente pode destruir uma tecnologia bilionária.

Geralmente, artistas é que são acusados de autocentramento, de acreditarem serem os suprassumos da existência humana, de superdimensionarem problemas por estarem isolados em seus próprios campos de conhecimento. Mas, provavelmente, essa é uma característica da espécie: acreditar que o mundo inteiro é (ou deve ser) sua imagem e semelhança.

Besteira. Todos sabemos que vital mesmo para o futuro da humanidade, aquilo que realmente representa a consciência global, que estende a luz da consciência, é... esta newsletter. Ou estou alucinando?


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