Por Eduardo Fernandes.
“Você é meu amigo?”
Li que a empresa por trás do aplicativo de relacionamentos Bumble quer lançar outro, desta vez dedicado a encontrar amigos.
Parece fácil. Cria-se um bom sistema de buscas pra encontrar gente com gostos semelhantes. Depois, é só deixar a galera conversar. Talvez, disponibilizar notificações pra ajudar na manutenção da amizade. O conceito aqui é: amigo como to-do-list, gerenciamento de projeto.
Funcionaria? Não sei.
Talvez eu é que sou estranho. Meus amigos mais próximos, mais puro malte, mais longevos, têm praticamente zero interesses em comum comigo. Às vezes até parece que têm, mas não.
Por exemplo, desde a adolescência, tenho um amigo que, sim, conheci via projetos de música. Porém, praticamente não concordo com seus gostos musicais. Nossas visões políticas são bastante diferentes. E, pra falar a verdade, às vezes, ele até me trata bem mal. Dane-se, simplesmente gostamos um do outro há 30 anos. É uma coisa meio Vegeta e Goku.
Outros amigos são super alinhados culturalmente. Mas quase nunca nos falamos. Todas as vezes que isso acontece, a experiência é super boa e nos prometemos manter contato mais frequente. Nunca cumprimos.
Tenho amigos que passam por situações psicológicas tão densas que praticamente é impossível ter uma troca igualitária com eles. Basicamente, tento não piorar a situação. Ainda assim, é uma amizade e não um serviço social.
Há amigos que são atemporais e mutantes: somem e, depois, reaparecem completamente diferentes. Irritam e agradam ao mesmo tempo.
Outros, surgem acompanhados de pessoas das quais você correria – se o universo fosse racional como os aplicativos sugerem que seja.
Da minha parte, sou um péssimo amigo. Horrível. Nunca estou presente, nem na mesma cidade. Sou difícil de encontrar, autocentrado demais, não priorizo descanso e nunca separo dinheiro pra vida social. Meus poucos amigos são uns heróis. Obrigado por insistir.
Tudo isso pra dizer o seguinte: sinceramente, espero que um aplicativo pra arranjar amigos funcione. Se ajudar a conseguir companhia, já é uma grande coisa.
No Japão, há décadas, é possível alugar amigos, inclusive de acordo com o visual. Quem sou eu pra condenar? Há muita gente se sentindo solitária. Tanto que até confunde interação parassocial com amizade. Ou branding, corporação e consumo com amizade.
Ainda assim, do alto da minha esquisitice, considero que amizade não tem muito a ver com racionalidade, nicho e trocas “prazerosas”.
Amizade foge às explicações. Você é, simplesmente, companheiro(a) de vida de alguém. Às vezes, essa é uma relação desigual e não linear. Mas você simplesmente não desiste.
Não é uma questão de gostar da pessoa ou detestá-la. É um sentimento de responsabilidade mútua. De empatia, de não julgamento. À longo prazo, porque é claro que você julga circunstancialmente, mas confia na pessoa como um todo. Está aberto pra ela.
Amizade não é uma tarefa com um objetivo: obter prazer, evitar dor, compartilhar uma “cena” ou preencher um vazio. Amizade não tem meta. Não pode ser medida por estatística. É um estado de presença contínua. Mesmo quando você some por alguns anos.
Se um aplicativo encontrar uma maneira de gerenciar esse caos, serei o primeiro a usar. A Internet mesmo me trouxe algumas boas amizades, então, não tenho o direito de ter preconceito.
Ainda assim, desconfio que o programa será mais um buscador de companhia. O que, nos dias de hoje, realmente, já muita coisa.
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