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Aprendendo a se esconder

Aprendendo a se esconder

Por Eduardo Fernandes.

É a lei do Oeste: todo buraco aberto um dia precisará será fechado. Foi o que fiz, semana passada: cobri um deles. Eu parecia um coveiro. Trabalhava no meio do frio e da garoa, com uma pá velha e torta. Cercado de árvores gigantes, coberto de lama e usando roupas de trabalho azuladas.

Criado e desconfigurado durante o cinismo dos anos 1990, não pude evitar a lembrança do clipe de “My Name Is Mud”, da banda californiana Primus. Meu companheiro de trabalho, milennial, deve ter achado estranho quando eu fazia cara de psicopata e repetia: “mmmm, mmm, Mud”. Mas, era uma piada específica demais para explicar.

O Primus chegou a ser motivo de chacota nos anos 2000. Era considerada uma banda cabeçuda e complexa, especialmente por conta do seu baixista / vocalista virtuoso, Les Claypool. Mas eu sempre gostei do caos teatral dos seus discos. Especialmente da versão para Tommy The Cat, de Tom Waits.

Na verdade, a banda é o oposto do cabecismo: é pura folk music, uma brincadeira com o estilo rural, “homem comum” dos EUA. Pescadores, fazendeiros, atendentes de bar, rednecks, esse é o universo temático dos seus discos.

Obviamente, a lembrança do clipe me levou a nerdear um pouco sobre os integrantes do Primus. E, então, assisti ao guitarrista Larry Lalonde ensinando a tocar algumas das suas músicas mais conhecidas, inclusive a abertura do desenho South Park.

O nome do programa é Riff Lords, patrocinado pela Gibson. E, sim, é aceitável chamar de riffs as criações de Lalonde. Mas ele teve o improvável carma de conseguir se sustentar tocando alguns dos sons mais dissonantes e estranhos do mercado. Incluí o vídeo acima por educação. Mas nem se preocupe em assistir, se você não é fanático por guitarras e piadas internas.

Tecnicamente, Lalonde não é lá muito proficiente. No vídeo, ele sofre para tocar uma escala relativamente simples. Mas é um desses criadores que sabem, primeiro, investir em ideias que seriam descartadas pela maioria das pessoas e, segundo, trabalhar em equipe.

Ouvidos isoladamente, seus riffs não fazem muito sentido. Na música, encaixam como um parafuso — torto, mas funcional e com um certo charme. Lalonde também soube inserir a estranheza certa, na dose correta, no meio do trabalho dos dois outros super instrumentistas. E, assim, contribuiu para a visão geral do “storytelling” do Primus — essa coisa meio bizarra e humorística.

Esses são talentos raríssimos. Imagine-se na situação do guitarrista: Claypool é a figura mais visível, numa banda estranha e potencialmente não comercial. Sem falar no baterista Tim Alexander, outro virtuoso legendário. Quer dizer, sem muito dinheiro, sem muito prestígio. E Lalonde continuou ali, garimpando riffs repetitivos, aparentemente simples e zoados, mas conceitualmente complexos.

Estou falando de Primus aqui, mas isso se aplica para muitas áreas das artes, entretenimento e até tecnologia (que aplicativo você usa que não se propõe a roubar a cena, aquele estranhozinho, mas indispensável?)

Existem várias formas de fruição de um trabalho criativo: às vezes sentimos um prazer mais imediato, sensorial e evidente. Outras vezes, a diversão é entender a engenhosidade empregada no seu desenvolvimento. Ou uma junção das duas coisas. Sei lá. Varia muito.

O mesmo vale para o ato da criação. Há prazer de solar. Mas também de se dissolver na coletividade. De propor, mas também de sincronizar, de reagir, de se surpreender com o processo acontecendo.

Até porque não existe criação individual stricto sensu. O chamado criador é um disparador de processos na “audiência”, no ambiente físico e cultural do momento, nas máquinas. É um processo dinâmico, contínuo, que se retroalimenta.

Não sei porque ainda não conseguimos encontrar palavras mais precisas para descrever os atores dessa relação. Quer dizer, talvez eu é que não as conheça. Co-criatura-criante?

Novamente, aí está uma habilidade rara: saber procurar sua contribuição em outros lugares, seguindo outras lógicas, e, ainda assim, se “misturar” no grupo. Lalonde também poderia ter demonstrado técnica. Mas preferiu o papel de cientista maluco, sempre escondido na mixagem (com exceção de Brown Album, de 1997, no qual ele submerge mais).

Entra para a história da música como o guitar hero menos guitar hero da história da música. Até mais do que os punks, já que nem mesmo se preocupou em fazer marketing das suas convicções estéticas.


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