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Aquela vez em que fiz massagem tântrica

Por Eduardo Fernandes.

Recentemente, fui convidado a fazer uma sessão de massagem tântrica. Até estou numa fase de alongamento mental, mas só a proposta já me causou quase um estiramento.

É que conheço muito pouco sobre o assunto. O suficiente para ter preconceitos: coisa de hippie, corrupção de tradições sérias do Induísmo, ou simplesmente uma masturbação cara.

Mas, como não sou um personagem muito coerente, decidi participar da experiência. O que se provou não ser algo tão simples.

Preparação #

Por onde começar? Escolhendo a massagista num website. Mas, espere aí. Qual é o critério de seleção? Que qualificações eu tenho para julgar esse tipo de profissional?

Perdido na minha ignorância, parti para uma abordagem acadêmica. A terapeuta já publicou na revista Nature? Foi analisada pelos pares, em teste cego duplo? O Karl Popper a aprovaria?

Sem muito sucesso, migrei para o critério qualitativo, ou melhor, “curricolotativo”: escolheria aquela que aparentasse ter o maior (ou mais robusto) currículo. Mas todos pareciam estar no mesmo nível.

Cansado, num estado de total paralisia de escolha, desisti e deleguei a tarefa para outra pessoa, que acabou selecionando a massagista que lhe parecia mais atraente nas fotos.

O local #

Imaginei que seria levado a uma espécie de Taj Mahal. Mas o consultório era bastante simples: um sobrado num bairro de classe-média, em São Paulo.

A decoração era mais sóbria do que muitos restaurantes asiáticos da cidade. Já visitei até barracas de feira mais indianas do que aquilo. Talvez eu tivesse errado o endereço e ido para um local de massagem zen.

A expectativa #

Fui levado a uma sala de espera, onde fiquei por cerca de 15 minutos. A ansiedade só piorava. Como seria ficar nu e entregar o gerenciamento temporário dos meus genitais para alguém que jamais vi?

Talvez seja fácil para você. Não para mim, que sou um people pleaser crônico. Eu só conseguia pensar no que diria à terapeuta, se eu, sei lá, sentisse cócegas, em vez de excitação. A última coisa que eu queria na vida era decepcionar uma massagista. Ainda mais tântrica.

Pior: certamente, eu acabaria demonstrando aquele falso relaxamento que se exibe diante do médico, durante um exame de toque retal. “Estou bem, claro. Dedos bonitos, os seus.”

O primeiro contato #

A terapeuta aparece sorrateiramente, enquanto eu estava perdido em pensamentos sobre o meu cavalo (que é uma frase ambígua, concordemos: você pensa a respeito do cavalo ou apenas matuta montado nele?).

Rapidamente, assumo meu personagem profissional da mente aberta: “imagine, faço essas coisas todas as semanas. Ontem mergulhei numa câmara de isolamento sensorial, viajando de mescalina.”

A terapeuta me acompanha para uma sala com luz púrpura e também sobriamente decorada, na qual se via um colchão king size (de novo).

Nos sentamos frente a frente e, depois de alguma conversa phatica, fui questionado: “por que você veio aqui?” Respondi: “você diz, assim, num sentido existencial, filosófico?” “Não, por que procurou a massagem tântrica?”

Compromisso profissional, seria a resposta sincera. Mas nem precisei dissimular, já que a terapeuta me ajudou: “Você tem alguma coisa no seu corpo que gostaria de trabalhar?” “Bom, dizem que aqui meus órgãos sexuais serão, definitivamente, trabalhados.” “Refiro-me a alguma questão psicológica que se reflita no seu corpo.”

Tantas para escolher. Chutei uma: “olha, durante a minha infância, meus pais transavam de portas abertas e eu ouvia uns sons. Até hoje me lembro de alguns ruídos, com um pouco de repulsa. Penso que isso deve ter influenciado em algo na minha vida. Tipo, gastar tempo no YouTube com ASMR.”

Enfim, nú #

Sem muito interesse na minha história, a terapeuta pediu para que eu me despisse. Calmamente, explicou seu método e sua linhagem (o que me trouxe um sincero respeito).

Olhando profundamente nos meus olhos, disse que, tal como um Marco Polo, exploraria regiões desconhecidas do meu corpo. Fiquei apreensivo: se não conheço, teria limpado, teria desinfetado?

A seguir, ela pegou minhas mãos e perguntou: “Você confia em mim? Posso confiar em você?”

Não são perguntas fáceis de responder. Vai que eu ficasse irracionalmente excitado e me transformasse numa espécie de orangotango violento. Dei-me conta de quanto o trabalho da terapeuta é arriscado. Alguém já inventou o seguro tântrico?

Mas, como todo o mise en scene me incitava a ser autoconfiante, respondi: “claro, confio e pode confiar.”

Olhos nos olhos #

A terapeuta me pediu para olhar firmemente em seus olhos, sem piscar. Isso deveria durar alguns minutos. Achei relativamente simples, até descobrir que piscar era uma das atividades mais urgentes da minha vida. Eu poderia ficar sem comer, sem respirar, mas piscar era inevitável.

Porém, aos poucos, fui relaxando. E, então, as coisas foram perdendo o foco. Realmente, senti que me misturei com a terapeuta. Nós éramos uma única pessoa, por assim dizer.

Mas isso durou pouco. Logo, estava pensando em pegar o celular e medir quanto tempo era capaz de manter minhas pálpebras separadas. Em que rede social eu compartilharia essas estatísticas?

De repente, ela piscou. Está roubando, pensei. Eu, aqui, fazendo esse esforço e você pisca? Fui perdendo a fé e a conexão com a terapeuta. Não sei se ela percebeu, mas me pediu para deitar.

Finalmente, a massagem #

Começamos pelas costas. Que clichê. Só que logo surgiu uma pena de pássaro, passando levemente pelas extremidades da minha pele. Pensei em perguntar se houve sofrimento animal para consegui-la. Mas temi a resposta e fiquei calado. De qualquer forma, a sensação era boa. Nenhuma excitação, mas boa.

Aparentemente, essa era uma técnica em alta no consultório. Novidade ali, mas ancestral em filmes franceses e italianos do século passado. Assim, enquanto a terapeuta penalizava meus músculos mumificados de meia idade, eu pensava em Pasolini, em vez de deixar o selvagem surgir dentro de mim.

Petróleo #

Sobe, desce, lambuza de óleo (ayurveda, fui informado), uma, duas, três vezes. Vira. Lambuza o peito, desce, coxas. Sensação boa, mas, depois de algum tempo, você se sente uma batata rústica sendo preparada para o forno.

Eu queria relaxar. Mas não conseguia. Isso é o que acontece quando você passa a adolescência inteira lendo aqueles artigos cínicos e sarcásticos que saiam na Ilustrada, nos anos 90. Nem óleos essenciais penetram na sua couraça.

Música #

Foi quando a música ambiente começou a chamar atenção. Baseada em motivos indianos, com cítaras e percussão, até então, mantinha-se em segundo plano.

Imagino que a playlist tenha sido montada para acompanhar um tempo médio de excitação dos clientes. Ela ficaria agitada junto com o cliente, o que colaboraria para potencializar a excitação e o prazer do toque.

Acontece que meu toque está mais para outro tipo: TOC, de Transtorno Obsessivo Compulsivo. Ou pelo menos, um sério nerdismo de música.

Daí que eu comecei a prestar atenção na mixagem, nos timbres e ambiência dos instrumentos, a sentir as repercussões corporais de certas notas, a me perguntar o que aquele acorde menor fazia ali. E por aí vai.

Trabalho braçal #

Enquanto isso, a terapeuta fazia um esforço hercúleo, esticando, amassando e puxando minha genitália. Jogava quantidades copiosas de óleo, apertava a região da próstata, balançava para cá e para lá.

E nada de excitação.

Qualquer rótulo sexista e mal impresso de cachaça Ypioca parecia ser mais eficiente para enviar sangue para o meu corpo cavernoso (dizendo assim, parece coisa de filme de terror B).

O fato é que eu estava lá, super relaxado. Relaxado demais, pelo jeito. Várias outras sessões de estica, puxa, balança e nada, nem sequer uma meia bomba.

A música me distraía cada vez mais. Um coral começava a dialogar com um piano tenso. Combinação estranha de notas, escalas não usuais. A percussão ficava ainda mais forte. Provavelmente, eu deveria estar quase gozando. Quanto tempo havia se passado?

Concorrência desleal #

De repente, na sala ao lado, uma mulher começa a gritar, no que parecia ser um orgasmo estarrecedor, desses que abrem portais para outras dimensões. De novo, o sexo na porta ao lado.

Isso despertou certa culpa. Qual seria o meu erro? Não poderia decepcionar minha terapeuta. Vamos lá, sangue, desça para a genitália. Nós temos que vencer o time da sala ao lado.

A terapeuta continuava suando, quase um atleta de crossfit, uma maratonista da massagem, tentando me tirar do neocórtex, sem sucesso.

Enquanto isso, na outra sala, mais e mais gritos. A coisa estava forte. Uns segundos de silêncio. Mais berros. Vamos lá, terapeuta. A gente vai chegar lá. Se eles podem, a gente também.

Cenas do próximo capítulo #

Fui derrotado pelo gongo. O tempo acabou ou a terapeuta desistiu.

Ofegante, foi me pedindo para voltar do meu estado de relaxamento. Que relaxamento? Nós perdemos para o time ao lado! E eu estou coberto de óleo, como um fisioculturista — ainda que meu corpo se pareça mais com o de um saddhu.

Tentei não deixar transparecer minha decepção. Definitivamente, a culpa não era da terapeuta, que, visivelmente, tinha dado o sangue pela profissão. Nem do método, que não conheço o suficiente para criticar.

Eu falhei. Não fui capaz de satisfazer a terapeuta na tarefa de me satisfazer. Você entende? Causei um dia ruim para ela, que deve ter voltado para casa chateada, insegura. Talvez, tenha até tomado um porre e agredido as crianças.

“Eu não deveria ter me metido nisso”. Era o que se passava pela minha mente. Porém, o que eu queria, mesmo, era sair dali e dizer para a mulher da sala ao lado: “isso não fica assim, vai ter vingança”.


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