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Autoajuda caótica

Por Eduardo Fernandes.

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O escritor marombeiro Nassim Nicholas Taleb.

Já faz alguns meses que o ensaísta libanês Nassim Nicholas Taleb vem me assombrando. Comecei a ler seu Antifrágil - Coisas que se beneficiam com o caos por pura curiosidade e desejo de entender como alguém faz sucesso literário internacional tratando de assuntos tão controversos e impopulares.

Ok. Existe algo chamado marketing. Entendo. Porém, Taleb está há mais de 20 anos falando sobre a futilidade de tentar prever o futuro, sobre como a busca de poder econômico e riqueza é uma autossabotagem, sobre como tentar corrigir uma situação é a melhor forma de piorá-la e sobre como dependemos de agentes estressores para sobreviver. Não é interessante que esse tipo de discurso tenha parado nas sessões de autoajuda das livrarias?

De certa forma, Taleb pega carona numa tradição muito antiga, cuja origem é o próprio Buda e passa por grandes mestres indianos como Shantideva e Aryadeva: a de analisar o sofrimento imanente à vida e perceber que, de certa forma, ele nos guia e influencia, de maneira complexa.

É preciso questionar tanto o conceito de sofrimento quanto o de felicidade. E perceber como são vagos e enganosos. Assim, sofrimento não é apenas um problema a ser resolvido e do qual devemos fugir. Felicidade não é algo exclusivamente bom, que devemos buscar.

Parece óbvio. Mas analise sua própria vida nos detalhes e as coisas ficarão estranhas. O automatismo, a cegueira e a ansiedade do processo de buscar prazer e rejeitar a dor são as fontes da maioria dos nossos problemas.

Taleb não é budista, claro. É um trader, matemático e estudante de estoicismo — o que traz alguns problemas particulares às suas reflexões. Ainda assim, seus textos levam a conclusões bem familiares aos estudantes de budismo, taoismo e alguns outros sistemas não-cristãos e não-Modernos de pensamento: as limitações da ideologia do Sujeito, essa entidade fantasmagórica que acha que faz, que acontece, que pensa que entende e controla o mundo.

Talvez o sucesso de Taleb seja mais um dos sintomas do esgotamento da Modernidade, uma nova fase na longa busca por outras formas de entender o mundo.

Taleb vem do Líbano, fala 10 línguas e se formou na França e EUA. Ainda é o tal “homem, branco e de elite”. Mas há vozes com formações bem diferentes, vindas de outras experiências, como a dos povos nativos, de Tyson Yunkaporta a Ailton Krenak.

Talvez, esse seja o verdadeiro pós-modernismo, um que não parte apenas do escárnio e da crítica ao Modernismo, mas que resgata alternativas que sobreviveram à colonização mental capitalista.

Imagino que Os 400 versos de Aryadeva, por exemplo, são radicais demais para inspirar o surgimento de autores como Taleb. Pensamentos de civilizações nativas podem acabar neutralizadas ao serem consumidas como entretenimento exótico. Já esse neo-estoicismo dialoga melhor com mentes modernas ainda não dispostas a abandonar as supostas conveniências (sociais e intelectuais) da Modernidade.

Assim, Antifrágil, de Taleb, tem sido uma leitura quase que “pugilística”. Às vezes me esquivo, às vezes ataco. Levo uns golpes aqui e ali. Certas horas, o texto parece uma bravata infinita, uma sequência de 500 páginas de tweets. Num capítulo parece uma novela, em outro, artigo de divulgação científica (mas sem citações e contextos).

A palavra ensaio parece bem adequada aqui: algo imperfeito, inacabado, um tanto fora de sincronia e dissonante. Enfim, o que esperar de alguém que se proponha a discutir as influências do caos e das descontinuidades no cotidiano, na economia e na política? Um texto cartesiano?