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Bate que eu gosto, Elon

Por Eduardo Fernandes.

O antropólogo David Graeber.

Elon Musk acabou de limitar o número de posts no Twitter pra usuários não-pagantes. Muita gente está querendo que o homem tenha uma overdose de Ketamina. Mas, eu, se usasse o aplicativo, estaria feliz. Sei lá. Limites estimulam a criatividade. Não era essa a ideia inicial do Twitter? Restringir os textos a apenas 140 resmungos?

A revolta dos usuários é compreensível. Ninguém gosta quando os limites são impostos. Nem todo mundo recebe uma notícia dessas com o humor de um Georges Perec, por exemplo, que resolveu escrever um livro inteiro sem usar a letra E. Ou como os escritores beats e os cineastas do Dogma 95, que inventavam suas regras pra poder atiçar a criatividade.

A diferença aqui é a sensação de autonomia. Se escolho a regra, é diversão. Se é imposta, me revolto. Curiosamente, poucos se sentem limitados ao entrar no Twitter. Parece um bom negócio, inicialmente: trocar distribuição por autonomia. Mas, uma vez assinado o pacto com o diabo, aumenta a sensibilidade com as regras da encruzilhada.

Um dos grandes “inovadores” em detectar e expor essa ambiguidade foi o escritor francês Étienne de La Boétie. Não foi o primeiro a insinuar que, cedo ou tarde, desejamos um cabresto. Mas publicou O Discurso Sobre a Servidão Voluntária no século 16, época em que parte dos pensadores europeus estava particularmente mais aberta a pensar sobre esse assunto.

E por quê? Por causa do contato com os povos do chamado Novo Mundo. Os Davids Graeber e Wengrow exploram bastante esse assunto em O Despertar de Tudo. Leitura mais que obrigatória pra quem quer entender a nossa era, seus valores e costumes. Quem é essa gente que não segue as nossas regras? Que não se submete ao mesmo tipo de escravidão?

O colonialismo é o trauma fundador da nossa época. Somos praticamente incapazes de parar de repetir as mesmas lógicas colonialistas: extrativismo, crescimento, exclusão de certas populações, ignorar externalidades, entre outros loops infinitos. E, ao mesmo tempo, sonhamos com a liberdade individual. De um lado, algo que não conseguimos impedir, de outro um conceito que nunca alcançamos. Essa é uma das engrenagens, um dos motores do capitalismo.

É um vício profundo, também derivado de certas lógicas religiosas, que nos faz querer olhar mais pro “perverso” Elon Musk do que pra força organizadora da comunidade. “Ei, papai Musk, não me trate mal”. “Por favor, bilionário, não me machuque”. Mas, de alguma forma, ainda queremos a punição.

Essa é a lógica do trauma. A repetição dos mesmos hábitos, que apenas migram de tecnologias, de aplicativos e de plataformas. É preferível reclamar infinitamente do meu “agressor” inacessível a se arriscar num outro ambiente, gerenciado por pessoas conhecidas, com as quais terei que interagir, olho no olho e, pior, tirando algum dinheiro do bolso.

Todo tipo de desculpa surge quando você quer se manter no prazer / dor da escravidão.

Não quero soar a freudiano meia boca aqui, mas a relação que muita gente tem com Elon Musk é bastante erótica. Talvez, afinal, ele tenha conseguido essa façanha de manter um jogo de dominação, de sadismo, com milhões de pessoas. Bate mais, Elon. Me faz lamber suas botas.

Será que ele tem algum tipo de prazer em ouvir as reclamações dos usuários todos os dias? Está preso no prazer / dor de ver o ódio escalando contra ele? Não sei. Mas o que dói mais é ver essa lógica circular do trauma, que insiste em não ser superado.


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