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Bombástico

Por Eduardo Fernandes.

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Mr. Lover, Lover, Shabba.

Momento histórico. A Microsoft vai substituir de vez a marca Office pela 365. Essa revolução foi anunciada em 12/10, por Satya Nadella, CEO da empresa, na abertura do Ignite. Dei-me o trabalho de assistir à sua apresentação por dois motivos:

  1. Espiar as novas tecnologias de inteligência artificial que constroem código a partir de textos escritos em linguagem natural (mais ou menos como o DALL-E produz imagens). É o pesadelo dos escritores sci-fi: máquinas que podem corrigir e modificar a si mesmas.
  2. Entender um pouco melhor a visão de futuro de uma das empresas mais influentes da atualidade, que está cada vez mais próxima do mundo open-source e, ao mesmo tempo, de outras gigantes, como a Meta.

Vamos nos concentrar no item 2 por hoje, obrigado. Segue alguma semiótica de botequim.

Quais são as expressões mais usadas por Nadella (quase escrevo Nutella)? “Massivo”, “Estado de arte”, “mais rápido”, “world class”. Hoje em dia, são termos tão comuns que sequer os estranhamos.

Mas eu não conseguia parar de pensar no clássico Mr. Loverman, de Shabba Ranks. “Ela me dá um toque nas costas e diz que sou… bombástico”.

Essa música deveria ser a trilha oficial das conferências de tecnologia. O CEO: “Lançamos o aplicativo que vai resolver o problema da segurança”. E a platéia: “Shabba!”

Daí, você abre seu Microsoft Teams. O bombástico vira meia bomba. A realidade é mais complicada. Você percebe que, ao usar um sistema completamente integrado e monolítico no trabalho, pode acabar limitado e engessado. Começa a questionar os custos e benefícios.

Mas a conferência continua: “vamos eliminar a inconveniência”, “acelerar o processo”, “você não vai precisar saber programar”, “não vai se preocupar”, “nós cuidamos disso”, vamos te levar uma mamadeira e uma chupeta para que você possa se concentrar em criar valor, em vez de gerenciar.

Então, você se pergunta: esse discurso, essa semiótica do tire das minhas costas, aparece somente nos eventos da Microsoft? Infelizmente, é um padrão que se espalha por toda a sociedade.

É o superpoder mais desejado da nossa época, o novo Sonho Americano. Você, (sim, você mesmo) também pode obter coisas cada vez maiores e incríveis, de um jeito mais rápido. Sem precisar quebrar a cabeça. Sem saber quem paga a conta. Sem entender como funciona. Deixe aqui com o papai.

Pense de novo. Onde mais se ouve esse discurso?

Na extrema-direita.

Não estou afirmando que a Microsoft seja fascista. Apenas apontando para um zeitgeist que ajuda a tornar a extrema-direita tão atrativa no mundo todo: o discurso simplista e paternalista. A narrativa da ameaça versus solução rápida, milagrosa e barata. “Você está cercado por insegurança, inconveniência e incerteza. Eu resolvo! Você não vai precisar sujar as mãos.”

Não é por acaso que a apresentação de Satya Nadella termina enfocando o papel da Microsoft em ajudar as organizações sem fins lucrativos. A conversa é parecida: o mundo é complicado, mas a tecnologia e a inovação estão aqui. Shabba!

Estamos cada vez mais emburrecidos pelo simplismo, pela velocidade e pela aversão ao aprendizado direto. É o que nos ajuda a votar em candidatos sem propostas concretas. E a agir como se apenas nos restasse vagar no planeta, delegando tarefas e odiando cada segundo que não esteja preenchido por entretenimento.

Além de sempre buscar alguém para nos dar um tapinha nas costas e dizer: “você é bombástico”.