Por Eduardo Fernandes.
Transcrição #
Talvez os ouvintes mais frequentes já tenham percebido: adoro fazer perguntas óbvias. É que, geralmente, sempre estamos tão preocupados com explicações supostamente inteligentes, que não paramos para enxergar aquilo que está bem à nossa frente.
Por exemplo, neste começo de semana, o assunto em pauta é censura, graças à desajeitada tentativa do TSE de controlar as manifestações antibolsonaristas no festival Lollapalooza.
Nossa tendência é debater as questões jurídicas do caso, ou tentar descobrir tendências e motivações ocultas por parte do governo. Mas poucos param para entender que censura tem dois aspectos:
- O proibitivo — ou seja: "você não pode falar sobre isso".
- O disciplinar — "você deve falar sobre isso, seguindo essas regras".
O aspecto disciplinar é geralmente associado à ideia de manipulação: em vez de proibir, desvia-se a atenção da pessoa. Ela acaba até se sentindo livre e acreditando que exerce o direito de se expressar.
Em outras palavras: a proibição gera frustração, dor, reatividade. Disciplina gera prazer e um falso sentimento de empoderamento. É como treinar cachorros: em vez de espancá-los, alguns treinadores oferecem guloseimas.
É mais ou menos isso que vem acontecendo, dia após dia, semana após semana, nas redes sociais. Seguimos de factoides em factoides, distribuindo-os em várias camadas. É a mulher que trai o marido com o morador de rua, o ator que bate no comediante, o novo meme, o novo seriado, até a guerra entra na lógica do entretenimento plataformado.
Dia após dia, mês após mês, ano após ano.
Um factoide acontece, nossos influenciadores comentam, os especialistas explicam, os comediantes fazem piada e por aí vai. Não precisamos de deep fakes, de inteligência artificial e nem mesmo do governo tentando nos controlar juridicamente.
Corremos "voluntariamente" atrás de trending-topics, pensando que isso nos traz algum alívio das dores do cotidiano. Mas, no fim do dia, nos sentimos (mais ou menos) miseráveis, gastando tempo, energia e emitindo carbono com assuntos que se dissolvem em minutos. Enquanto isso, mantemos uma constante energia de insatisfação, desconfiança, sarcasmo e aceleração mental.
Dia após dia, mês após mês, ano após ano.
Postando mensagens e vídeos em formatos pré-definidos, por meio de plataformas proprietárias, esperando pela próxima tendência.
Tanto que é difícil saber se atitudes como a do TSE são expressão de uma visão antiquada de controle social ou se, pelo contrário, são cyberwar, mais um factoide, querendo desviar nossa atenção — que poderia ser dedicada a criar um antibolsonarismo mais efetivo.
Nosso palavrão pode parecer revolucionário. Melhor que nada. Mas, no fundo, nos descia de nos informarmos mais profundamente e de trabalhar pela comunidade. Nos mantém presos em plataformas e comportamentos compulsivos predatórios.
Então minha pergunta óbvia é: será que perdemos a sensibilidade para enxergar que o controle se exerce não apenas na proibição, mas também, e especialmente, via desejo, via disciplina?
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