Por Eduardo Fernandes.
Nos filmes de ficção científica, é comum encontrar estátuas gigantescas na entrada de cidades icônicas. Elas representam os valores e o esplendor daquela civilização. Geralmente, é um deus, um guerreiro ou um líder militar.
Pois, outro dia, enquanto tomava minha dose regular de notícias sobre o mercado de tecnologia, eu tentava imaginar que estátua essa civilização do Vale do Silício ergueria.
Elon Musk? Não, muito controverso. Bill Gates? Não, pouco esplendoroso. Ronald Reagan, o presidente dos EUA que ajudou a desregulamentar o setor de tecnologia, nos anos 1980? Muito nichado. Milton Friedman, um dos principais ideólogos do neoliberalismo? Mais nichado ainda.
Como achei nada adequado, resolvi importar um personagem brasileiro: Macunaíma. Imagine passar pela ponte Golden Gate, em San Francisco, e avistar, de longe, uma estátua do personagem de Mário de Andrade que se tornou símbolo da preguiça.
Evocar Macunaíma parece estranho, já que há tanta atividade e aceleração no Vale do Silício. Mas, no fundo, todo esse trabalho, recursos naturais e dinheiro persegue um ideal essencialmente cansado. Quer dizer: a automatização última, o fim de qualquer “fricção”.
Pensar cansa. Trabalhar dá trabalho, chame o ChatGPT. Decidir o que comer, o que ouvir, como se comportar, etc. Ai, que preguiça.
No fundo, parece que certa mentalidade no Vale do Silício deriva dessa visão de burn out do hommo sapiens. Alguém, por favor, coloque uma ferramenta, um algoritmo na frente de todas as atividades humanas. Ninguém mais aguenta o peso de participar dessa espécie e de viver nesse planeta.
Por um lado, alguns discursos em torno da tecnologia prometem expandir as capacidades humanas: colonizar Marte, processar dados em velocidades incríveis, aumentar a longevidade, etc.
Por outro, tentam eliminar a necessidade de decidir, de escolher, de se concentrar, de improvisar, de aprender com os perrengues. Também vão pendurando aparelhos em nosso corpo e no cotidiano, nos tornando dependentes dos ritmos digitais e da plasticidade de plástico.
É uma mentalidade ambígua: vamos correr cada vez mais pra fazer cada vez menos. Vamos nos desumanizar pra nos tornar super sapiens.
Mas, e se um dia chegássemos mesmo ao sonho de eliminar todas as inconveniências do cotidiano? O que nos tornaríamos? O que significaria ser humano? A total indulgência no entretenimento? O consumo incessante? Um corpo apenas pra aplicar remédios e estímulos? Um coletivo de seres extremamente frágeis pra qualquer problema?
Imagine uma cena gravada por um drone entrando numa das cidades icônicas dessa civilização. O que ele mostraria? Um líder espiritual ou militar, com suas pompas e símbolos de honra e estresse? Não, uma gigantesca estátua de alguém deitado numa rede e dizendo: ai, que preguiça.
PS — É claro que o personagem Macunaíma é muito mais que uma representação da preguiça. Pra se aprofundar, vale ler o clássico, de Mário de Andrade.
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