Por Eduardo Fernandes.
Uma reflexão entre uma comida murcha de aeroporto e outra.
Quem é que não gosta de textos do estilo “coisas que eu gostaria de ter aprendido antes”? É um gênero literário único. Vive numa espécie de limbo entre a arrogância, a humildade, a ingenuidade e a afetação. Não há como escrevê-los sem soar canastrão. Ainda assim, é um exercício interessante.
Do ponto de vista do escritor, ajudam a transmutar arrependimentos e ressentimentos. Na melhor das hipóteses, em algo pragmático, como diretrizes, listas de afazeres. Na pior, levam à ingênua crença de que o autor superou algo, que passou de fase.
Qualquer pessoa que tenha experiência em tentar mudar hábitos, sabe que essa é uma tarefa longa. E enganosa. É que hábitos têm diversas camadas. Têm conexões e gatilhos não-intuitivos, não-lineares, espalhados por muitos aspectos da vida da pessoa. São interconectados em redes, influenciando e sendo influenciados por vários sistemas e percepções.
Assim, os textos de autoavaliação pública podem tanto virar um retrofit de si, quanto self-washing (mudança mentirosa, só na embalagem). Mas, do ponto de vista do leitor, quase sempre causam aquela excitação dopamínica, a expectativa de encontrar uma gambiarra, um atalho, algo útil, que possa ser replicado. E cria uma sensação de intimidade com o escritor.
A confissão é uma das invenções culturais mais poderosas do ocidente. Influencia da moda às lutas de gênero. Como seria nossa produção cultural se um apocalipse cognitivo repentinamente eliminasse nosso hábito de se autodefinir e criticar em público? E se perdêssemos a capacidade de acreditar que alguém estaria disposto a se interessar pelas nossas autoanálises? Que tipo de livros teríamos? Que filmes assistiríamos?
Enfim, meu plano era escrever minha própria lista de autoavaliação. Mas sabe como é. Sempre escapo do plano original. Então, podemos começar por aí mesmo. Eu gostaria de ter aprendido antes a…
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Manter o foco. Até agora, minha vida foi uma sucessão de experimentos. Muitos deles abandonados no meio do caminho. Vários desvios e curvas bruscas. Por um lado, é uma mentalidade nômade, um tanto desapegada. Por outro, é um hábito baseado no entretenimento. Isso traz consequências como estar sempre recomeçando, trabalhando por pouco dinheiro e vivendo no limite do pensamento “sem-noção” (dando opiniões sem conhecer os assuntos profundamente).
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Valorizar o aprendizado formal. Autodidatismo é interessante, mas lento. E também pode ser limitante, arrogante.
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Dessacralizar a cultura pop. Eu gostaria de ter investido mais tempo e dinheiro em educação, em vez de ter me escravizado à cultura pop e a certos tipos de jornalismo.
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Ser mais rápido em identificar oportunidades de aprendizado no cotidiano. Por exemplo, fui criado numa família de espanhóis. E nunca me dei ao trabalho de aprender castelhano. Minha avó era costureira profissional. Meu avô, sapateiro, construtor e eletricista. Mas nunca valorizei essas habilidades. Hoje, facilitariam muito a minha vida.
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Evitar a mentalidades derrotistas. Por exemplo, durante minha adolescência, nunca sequer imaginei que seria possível viver no exterior. Muito caro, muito difícil, penso nisso depois. Quantas oportunidades perdidas.
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Evitar hábitos de autocondenação. Adolescente durante os anos 1990, eu acreditava que humor autodepreciativo e crueldade contra si eram coisas divertidas. Ou até iluminadoras. Hoje, considero esses hábitos como tão nocivos quanto a positividade tóxica.
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Aprender a descansar e a evitar o heroísmo ornamental. Em 90% das vezes, comportamentos supostamente heroicos refletem apenas a incapacidade de enxergar a coletividade e os contextos das coisas. Saber respeitar o tempo dos outros e dos sistemas complexos é um luxo psicológico. Não é algo fácil de se obter.
Enfim, é claro que a lista poderia ser muito maior. Mas está na hora de embarcar pra São Paulo. Se o avião for abduzido por alguma inteligência alienígena, já estou aliviado de ter compartilhado essas ideias. Esse é o meu legado de aprendizado de aeroporto.
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