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Comentando Chunking Express

Por Eduardo Fernandes.

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Como bem se sabe, traduzir títulos de filmes não é uma tarefa simples. “Amores Expressos”, em chinês é 重慶森林. Segundo o Dr. Google Translate, significa “Floresta de Chongking”. Em em inglês, ficou “Chungking Express”. No Brasil, uma aproximação (paulistana) seria algo como “Floresta do Edifício Copan”.

Chungking se refere a um complexo de edifícios numa das áreas mais populosas de Hong Kong. Junta hotéis fuleiros, apartamentos minúsculos, áreas de convivência (estilo praça de alimentação), escadas rolantes e uma série de pequenos comércios, espremidos uns nos outros. O cheiro deve ser bem interessante.

É um local muito usado por estrangeiros com baixa renda, geralmente paquistaneses e africanos. Naturalmente, é cercado por algum nível de criminalidade e de policiais (tanto investigadores à paisana quanto guardas uniformizados).

Calhou de o diretor Wong Kar-Wai ter crescido no local. E é fácil entender porque Chungking aparece no título. Na verdade, ele está em todo lugar: o filme é uma investigação da sociabilidade que surge num espaço urbano tão particular e numa época tão estranha como os anos 1990. Em outras palavras, é um vislumbre de como as pessoas sonham, dividem seus problemas, ganham dinheiro e, claro, tentar amar naquele ambiente.

As histórias #

Esse tom etnográfico explica porque o filme é dividido em algumas histórias paralelas interconectadas:

  1. Um policial de (quase) 25 anos, ingênuo, obsessivo, solícito e um tanto surreal, que perde a namorada, May, no dia 1 de Abril.
  2. Uma traficante café-pequeno cínica, que tenta usar imigrantes paquistaneses (que ela chama de indianos) para transportar drogas.
  3. Um guarda de rua, recentemente abandonado por uma comissária de bordo.
  4. Uma jovem balconista que vive sonhando com a Califórnia e que pretende conquistar o guarda invadindo e redecorando seu apartamento, aos poucos.
  5. Um homem de meia-idade, dono de um pequeno boteco no Chungking, que serve comida caseira. Ele é extremamente intervencionista, dando conselhos aos clientes e tentando bancar o casamenteiro entre os personagens.

Aliás, os acontecimentos do filme acontecem em torno desse boteco. De alguma forma, o local é palco para as pessoas experimentarem e tentarem combater a solidão, cada um do seu jeito.

Todos os clientes passam por um mesmo problema: solidão. Mas cada um é bem diferente e processa as dores de um jeito específico.

Estou falando sobre Chunking da maneira mais genérica possível para evitar spoilers. Mas, na verdade, ele é uma verdadeira costura de detalhes e de piadas. Como boa parte dos filmes dos anos 1990, traz aqueles roteiros cínicos inverossímeis, excessivamente amarrados para dar efeitos cômicos absurdos. Quentin Tarantino, por exemplo, se declara muito influenciado por Chungking.

Ainda assim, o trabalho consegue escapar dessa fórmula, em especial em sua segunda parte, que foca na relação entre o guarda e a balconista. Então, o tom ranzinza muda de vez para um brincalhão, cheio de ternura até.

Direção de arte #

Sendo um filme de Wong Kar-Wai, há um extremo cuidado na direção de arte. Nesse caso, usando técnicas que nos fazem perceber como a passagem do tempo difere para cada personagem: a aceleração da cidade contrasta com a morosidade da solidão das pessoas.

A trilha sonora também segue a técnica que o cineasta usaria em praticamente todos seus filmes a partir dali: mistura de idiomas e de gêneros musicais. De novo, é uma ideia que ficaria mais conhecida no ocidente por meio de Tarantino (ainda que este, até onde eu me lembro, arrisque menos com músicas de língua não inglesa).

Amores expressos? #

Enfim, o filme fala sobre muito mais assuntos do que apenas amores. E menos ainda os considera expressos: a presença de um determinado parceiro pode até durar pouco, mas todo o processo de desejo, da conquista, do medo da perda, da negação, e, por fim, da saudade e da solidão, tudo isso gasta um enorme tempo. Amores são um tanto como explosões nucleares: deixam resíduos que, de alguma forma, contaminam nossas vidas por muitos anos. Influenciam gerações (passadas e futuras) e até pessoas que nunca se conheceram.

Agora, a “Floresta do Chungking”, é o centro do filme. Os personagens não sabem o que fazer consigo mesmo, mas isso não os leva à tragédia (a não ser no caso da traficante). Tudo acaba em gambiarra. Deve ser essa a tal sociabilidade do Chungking: muitas coisas acontecendo, tudo meio sujo, todo mundo se virando como dá, ajudando e atrapalhando uns aos outros, tapando os buracos da vida com fita adesiva.


Este post faz parte de uma série sobre filmes de Wong Kar-Wai, que estou revendo e comentando aos poucos.