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Como ser um fenômeno de mídia

Por Eduardo Fernandes.

Há quem diga que a Inteligência Artificial generativa já está roubando meu emprego de escritor. Não sei. Ando mais interessado em outro “concorrente”: os vídeos pós-narrativos.

Pós-narrativos? Sim, porque eles possuem uma história. Têm cenário, contexto, ponto de partida e conclusão. Até mesmo a presença de um herói vencendo obstáculos. Porém, ninguém, nem mesmo a IA, escreveu os roteiros.

Não deixam de ser um reality show. Mas sem personagens pré-selecionados e estimulados por produtores.

São vídeos improvisados. Mas, paradoxalmente, tudo o que acontece é completamente previsível. Super cotidiano. Demasiadamente cotidiano. Narrativas sem firulas, mais minimalistas que o minimalismo.

“Ah, que saco, me dá logo um exemplo”. Com prazer: Tim, The Lawnmower Man. Ou, em bom português: Timóteo da Roçadeira.

Funciona assim: Tim anda pelas cidades dos Estados Unidos e encontra os quintais mais bagunçados — ou eco-brutalistas, pra usar uma expressão da moda. Toca a campainha, chama o dono da propriedade e se oferece pra dar um trato no local. Gratuitamente. A seguir, filma todo o processo de cortar a grama.

Trilha sonora simples. Pouquíssima conversa. Time lapses. Algum voice over, geralmente, enfatizando a dificuldade da tarefa. No final, mostra um antes e depois. É uma versão bem mais simples daqueles infinitos programas de reformas das TVs à cabo. E os vídeos podem durar cerca de 2 horas. Só falta passar no cinema.

Tim não é o único lawnmower-star. Assim que você assiste a um dos seus vídeos, o YouTube vai lhe revelar toda uma cena de filantropia paisagística. São vídeos hipnóticos. De alguma forma, há um prazer narrativo fundamental e primitivo ali, de ver uma história, qualquer história, se desenvolvendo.

É claro que esse estilo de storytelling não é novidade. E nem é exclusivo do universo dos quintais. Pense nos ASRM, em alguns vídeos de skate, nos canais de taxistas (que apenas dirigem de um lugar pro outro, sem explicações), nos vídeos que mostram botas sendo construídas artesanalmente, carpinteiros trabalhando, atividades de construção civil, etc.

De alguma forma, é o mundo analógico reivindicando espaço no mundo digital. A pessoa paga alguém pra cortar a grama e vai assistir ao Timóteo da Roçadeira on-line. Nostalgia do pé no chão, do trabalho “não-criativo”. Trabalhadores de colarinho branco espiando a vida fora do escritório. Colarinho azul como simulação.

Isso também se espalha pro mundo da moda, no qual roupas de trabalho, de marcas como Carhartt e Dickies, passaram a valer fortunas. Especialmente as de segunda mão e desgastadas pelo uso.

Já os vídeos, ainda que não tenham um roteirista, obedecem à lógica do conteúdo industrial: têm formato, periodicidade e até call to action. Assine aqui, doe ali. Por trás, YouTube, TikTok, Amazon (Twitch), continuam monetizando o que, até há pouco, parecia desinteressante demais pra ser monetizado.

Convenhamos, no mínimo, esse é um fenômeno cultural interessante. O trabalho intelectual industrial se mistura cada vez mais com o trabalho não-intelectual (que não deixa de ser criativo).

Enfim, momento coach: quer ser um sucesso de mídia? Em vez de estudar na ECA, tente cortar a grama do campus da USP. Ou faça os dois.


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