Por Eduardo Fernandes.
Olá, espero que você esteja bem.
Hoje bateu uma saudade monstro do Mano Negra.
Formada por Manu Chao, na França, a banda misturava rockabilly com reggae, ska, punk, funk, polca e música árabe. Vi um show dela em São Paulo, no Vale do Anhangabaú, nos anos 90 (acho). Nunca mais me esqueci.
Por sorte, há muito material do Mano Negra no YouTube. Acabei assistindo ao Tournée Générale. É uma das coisas menos "isolamento social" já filmada.
Os shows são exatamente como os da minha memória: The Clash super cafeinado. No palco e fora dele, há gente pulando freneticamente por todos os cantos, se beijando, empurrando, suando, numa mega celebração.
Ainda que eu seja mais do tipo show do Flaming Lips em 2020 do que carnaval na Bahia, mais caverna do que sambódromo, sempre me impressiono ao notar como a música me manipula, ao longo da minha vida.
Será que eu seria até mesmo budista se não fosse pela musicalidade de certas cerimônias? Será que estaria aqui, escrevendo pra vocês, se não tivesse sido atraído pelo jornalismo que cobria soul e rock?
Não é novidade pra ninguém: dependendo do que ouvimos, mente e corpo mudam radicalmente. Tanto que o áudio está por trás da maior parte das indústrias já inventadas: dos cantos de escravos e trabalhadores rurais até os sons das nossas interfaces, alertas e ringtones. Sem falar do sound-design no cinema, games e propaganda.
Certos ritmos opressivos das máquinas voltando como música eletrônica e raves. Steve Jobs passando meses decidindo qual seria o som do click da conexão do iPod com o cabo de força. A música nas igrejas gerando o pop do século 20. O neurocientista Oliver Sacks quebrando a perna ao escalar uma montanha e só conseguindo buscar ajuda (e sobreviver) porque associou seus passos vacilantes na neve ao som de um ritmo num tambor.
De macro histórias até anedotas pessoais, o que seria de nós sem os sons que nos impulsionam e retraem?
Enquanto escrevo, há sons de pássaros de vários tipos, em vários pontos de distância. Diferentes frequências de reverberações. O som do vento nas árvores, nas montanhas. Um carro solitário na estrada. E o constante tilintar do sino das rodas de oração (moro embaixo de algumas delas).
Falando assim, parece bucólico. Mas, definitivamente, não é. Esse é o corpo que temos, é o mundo que habitamos. A fortuna escondida dentro do colchão. Mas estamos profundamente distraídos dessas coisas.
Quando nos deixamos escravizar pela bolha midiática, parece que a existência se resume a Trump, Bolsonaro, vírus, corporações, tragédias, gente esperta (ou burra) no YouTube, entretenimento.
Mas numa época como essa, é cada vez mais importante parar e reconhecer certas obviedades: nós temos a capacidade de prestar atenção. Quem diria? Isso é absolutamente incrível. Não há tecnologia mais tecnológica do que essa. Provavelmente, é a nossa posse mais valiosa.
Muitos de nós temos a capacidade de ouvir. Outros, infelizmente, não. Por sorte, consigo ouvir Mano Negra no fone. Ou, se este não está por perto, posso ouvir até na memória.
E não preciso pagar pelo streaming. Não vão me dar strike de copyright. Não preciso implementar um chip na cabeça. Pelo som e pela experiência, consigo até mesmo deduzir se um pássaro está longe ou perto. Sem propaganda. Sem preço.
Assim, hoje o exercício é ouvir o acorde do ônibus freando do outro lado da rua. O ritmo dos passos. Ou mesmo os timbres únicos da música que você prefere. Quantas vezes você reparou naquelas palmas que estão escondidas na mixagem? Sentir a vibração do contrabaixo atingindo seu peito. A “areia” da distorção da guitarra.
Hojé é dia de parar com a ruminação interna, com a discursividade, com as letras e ouvir "o som da atenção". De pensar como um músico. Aproveite o feriado.
(Caso precise de uma inspiração, o Kevin Parker, do Tame Impala, pode ajudar. Perceba o sorriso e a empolgação dele.)
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O Spotify quer virar o Netflix dos podcasts. Nesse episódio do Monólogo Estéreo, comento os tipo de tecnologias que a empresa já está aplicando pra expandir seus negócios na área dos podcasts. Eu me pergunto: será que é tão fácil prever o que as pessoas gostam? Por que nós consumimos regularmente certas coisas de que não, exatamente, gostamos? Ouça lá.
Não é que o universo ouviu? #
Semana passada, disse que queria comprar uma placa de som USB pra usar na produção dos podcasts. O universo ouviu – lá na Alemanha. Recebi uma doação praticamente suficiente pra comprar uma PreSonus Audiobox. Não é uma Focusrite, mas é bem decente, pelo preço. Obrigado, apoiador(es). Você(s) é(são) demais. ❤️
É isso por hoje. Obrigado por ler.
Abraço,
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