Por Eduardo Fernandes.
Ah, o trabalho, essa coisa doentia. Queremos evitá-lo, domá-lo, encaixá-lo em todo tipo de expectativas. Queremos trabalhar pouco. Mas ainda o suficiente para sermos considerados trabalhadores.
Sonhamos em trabalhar com o que amamos. Quando conseguimos, nossas paixões viram… trabalho.
Se somos workaholics, há uma compensação extra: o sentimento de heroísmo, de produtividade. Porém, também há os efeitos colaterais: ego, sobrecarga, desrespeito pelos ritmos da coletividade.
O workaholic é especialmente problemático quando trabalha com pessoas com tendências à culpa. Em vez de motivar a equipe, cria um clima de comparação e autodepreciação. Até mesmo de paranoia: “se eu não tiver os mesmos resultados, serei punido”.
Workaholics e personalidades cafeinadas causam distúrbio em níveis sutis, eu diria até energéticos (por falta de uma palavra melhor). Ao trabalhar ao lado delas, você se sente mais ansioso e inquieto.
Já as pessoas muito lentas e pacíficas causam uma sensação de congestionamento. Você quer seguir em frente, mas um caminhão carregando 40 toneladas bloqueia a passagem. Ultrapassar não é uma opção, você precisa aprender a esperar e perceber o momento certo para agir.
Os evitadores de trabalho (workavoiders?) sofrem mais ainda. Porque vivem numa encenação incessante. Andam rapidamente pelos corredores, estão sempre bufando e criando todo tipo de mise en scène para fingir estarem ocupados. É muito trabalho para evitar trabalhar. Muito estresse para fugir do estresse.
De qualquer forma, trabalho é aquilo que nunca está bom. Sempre precisa ser ajustado. É excessivo ou insuficiente. Estimulante demais ou tedioso. Se me lembro corretamente, na metáfora bíblica, o trabalho foi uma das punições impostas após a fatal mordida na maçã. Trabalho é o mais irritante e apaixonante incitador, ameaçador e dissipador do ego.
Mas pensar sobre trabalho talvez seja um castigo ainda maior. De alguma forma, todos levamos trabalho extra para casa, para o sonho, para a terapia, para a meditação. É cada vez mais raro que alguém apenas bata o ponto e fim de expediente. De modo geral, é o ponto que nos esbofeteia.
É por isso que trabalhamos para criar e manter a tecnologia. Para nos liberar do trabalho, certo? O problema é que trabalho não é uma coisa ou um procedimento. Não é um item de uma lista.
Trabalho é também um fantasma cultural. É uma ideia. E, quanto mais você mexe em ideias, mais elas se ramificam e causam zilhões de consequências e transformações. Inúmeras linhas de tempo e espaço se formam para todos os lados, incluindo para o passado.
A insatisfação com o trabalho não é só política ou social. É estrutural. Essa é a mente humana, basicamente inquieta. Não há como “resolver” esse assunto. Porque “resolver” é uma lógica que não se aplica aqui. Trata-se de um sistema, não de uma máquina supostamente linear.
Ainda assim, talvez seja possível aprender a dançar nos diferentes ritmos que se apresentam a cada segundo. Trocar de música. Acertar o passo. Começar de novo. Chogyam Trungpa costumava dizer algo como “se você é muito lento, a vida te empurra. Se você corre demais, ela te para”. Dá trabalho mesmo.
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