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Empreendedorismo gonzo

Empreendedorismo gonzo

Por Eduardo Fernandes.

Nesta semana, parte da Internet debateu se o hábito de Elon Musk de consumir drogas ilegais estaria saindo do controle.

Nah, não vou gastar seu tempo com essa conversa. Mas o assunto me levou a refletir sobre outra coisa.

É que, nos últimos 10 anos, a indústria da tecnologia dos EUA está cada vez mais abertamente associada ao consumo de drogas ilícitas. Não é como em outras carreiras (oops), nas quais se esconde o leite.

Vício é um dos temas centrais das big e small techs: estudá-lo, produzi-lo nos consumidores e nos funcionários, meter-se com comportamentos e substâncias potencialmente viciantes. É o que se poderia chamar de Indústria Gonzo. Ou Gonzotech.

Gonzo é o apelido que se deu a um estilo de jornalismo produzido pelo escritor Hunter S. Thompson.

Durante muitas décadas, seus textos foram celebrados e considerados selvagens e inovadores, ligados à contracultura dos anos 60. Hoje, seus escritos são analisados de um jeito mais complexo.

Mas o que isso tem a ver com as drogas do Vale do Silício? É que, se Thompson bebia na fonte do new-journalism, ele adicionava LSD, cocaína e todo tipo de drogas à mistura.

Há uns 25 anos, eu tinha o hábito de estudar Hunter S. Thompson. E, na época, gostava de provocar, dizendo que as drogas não eram o centro do jornalismo gonzo. Meu argumento era que, se você der LSD pra um macaco, ele não vai escrever Guerra e Paz.

Eu queria entender as técnicas de análise e de escrita que Thompson usava. E o que o levava a escolher certas abordagens. As drogas, sim, tinham uma grande influência nesse processo, mas não eram a chave pra um jornalismo diferenciado.

Veja bem, muitos soldados alemães usavam anfetaminas durante a Segunda Guerra Mundial. Na Guerra do Vietnã, havia um problema tão sério de vício em heroína que o governo submetia seus militares a testes toxicológicos antes de lhes dar permissão pra voltar aos EUA.

Nas últimas décadas, há uma maior compreensão de dois fatores que ficaram conhecidos como set e settingSet é a intenção, o que a pessoa espera obter ao usar a substância. Setting é o ambiente, o contexto em torno do uso. Esses são elementos que influenciam profundamente as experiências e os resultados do consumo de drogas.

Hoje, soa a ingenuidade imaginar que o uso de uma substância leve necessariamente à genialidade. No entanto, parte da cultura do Vale do Silício parece acreditar no contrário: se você encontrar a dose certa e o ambiente perfeito, dessa vez vai “dar certo”.

Poucos questionam o set, a ambição de “tunar” a mente. E o setting se diluiu de um jeito enganoso: spas, saunas, banhos com óleos essenciais, etc. Falta uma compreensão mais precisa do contexto: o spa é um disfarce pro verdadeiro ambiente cultural, o do capitalismo contemporâneo.

Além disso, é estranho usar drogas, ter experiências psicodélicas, e, ainda assim, buscar uma versão mecanicista da consciência: “se eu injetar isso, se fizer aquilo, vou chegar onde eu quero”.

Muita gente que usa drogas acaba virando ainda mais mecanicista: “vou tomar isso pra subir, aquilo pra descer, uma pílula pra me alegrar, a outra pra ser mais sociável”. É a ansiedade do controle máximo. O consumismo aplicado ao gerenciamento da mente.

Assim, se você parte de uma ambição aceleracionista e vive num ambiente de competição, há grandes chances de produzir mais do mesmo. E vai precisar usar maiores quantidades, buscar substâncias que aumentam o sentimento de onipotência e bloqueiam a autocrítica, além de se isolar numa bolha que amplifica e justifica o vício.

A culpa é das substâncias? Parcialmente, sim: a pessoa não vai usar um estimulante com o objetivo de dormir. Mas, também, não: a intenção e o contexto do uso são tão ou mais importantes do que as próprias moléculas ingeridas.

Meu maior problema com o aumento do uso de drogas no Vale do Silício é se isso acabar levando os profissionais a enxergar todo o universo por meio das lentes mecanicistas do vício: como estimulá-lo, como mantê-lo, como evitar a ressaca e como se juntar apenas às pessoas que apoiam esse estilo de vida.

Aí teríamos um verdadeiro Empreendedorismo Gonzo: uma atividade que usa a linguagem da contracultura, as ideias de rebeldia, de transcender limites, de estabelecer liberdade (renegar regras e moderação), pra produzir… uma versão ainda mais eficaz de colonialismo.


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