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Por Eduardo Fernandes.

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Não sei se lhe contei, mas estou escalado para participar de um evento para quem lê e cria newsletters. Chama-se O Texto e o Tempo. Programação completa aqui.

Um dos temas que devo debater é essa coisa do chamado “textão”. Supondo que exista um “textículo”, mais curto e dinâmico. Em tese, o leitor industrializado prefere a concisão às argumentações mais elaboradas.

Repare como esse tipo de distinção só funciona num ambiente cognitivo pós-industrial, o universo da TV, do marketing e do jornalismo. Da produção contínua, distribuída em periodicidades.

Medir textos pelo número de carácteres (ou por sua aparência mais ou menos carregada quando vista numa interface), provavelmente, seria algo estranho para um monge copista medieval. Ainda que muitos entendessem bem de design de livros.

Imagino um deles, com os dedos pretos de tinta, iluminado por uma vela solitária, se virando para um colega de bancada e dizendo: “esse livro é muito longo, me passa aquele de aforismos”.

Não quero romantizar aqui. Mas ter acesso a um texto, extrair uma exegese, degustá-lo, desenhar todas as ligaduras das letras, tudo isso indicava uma atividade artesanal, rara e (de alguma forma) preciosa. E que contrasta com a industrialidade do "vamos produzir alguma coisa nova" para fechar a edição, para caber nessa coluna, para vender isso ou aquilo, para performar no Google.

A oposição entre textão e textículo só faz sentido numa cultura que vive numa espécie de Tetris existencial. É preciso encaixar. Não só teorias em critérios. Mas tempo, dinheiro, número de caracteres. O texto visto como objeto. Tudo precisa ter formato, periodicidade, coerência, se adaptar a personas, a proposições de valor, a missões, a keywords.

O conteúdo (essa palavra tão usada hoje em dia) é lido de um jeito muito particular, quase desconectado dos sentidos – e até do prazer. É um conjunto de caracteres disputando atenção, uma tarefa procurando nichos. Quase como um semi-analfabeto juntaria fragmentos de letras para fazer uma frase funcionar. Um poema sendo lido por alguém que conhecesse apenas matemática.

Mas, além do mondo marketing, um verso de duas linhas pode ser muito mais denso do que um romance de mil páginas.

A experiência da leitura se multiplica em milhões de formatos incoerentes, paralelos e até conflitantes. A memória, a contemplação, tudo isso foge da nossa tentativa de emplanilhar e restringir nossa relação com o texto.

Ainda assim, insistimos em formatos. Há até quem venda uma brevidade esperta. Ou que ajambre Twitter Threads – sequências de textículos numa interface mal desenhada, que tentam “atualizar” uma tecnologia conhecida como “parágrafo”.

Enfim, nós precisamos de conexões. E enquadrar essa necessidade em conceitos como tempo de leitura e número de caracteres é uma preocupação da industrialidade, do marketing. O texto antecede esse modelo civilizatório. E, com alguma sorte, lhe sobreviverá.

Ainda que precisemos nos adaptar a este ou aquele formato “esperto” para pagar as contas burras, o texto (ou o textículo) sempre nos forçará a retomar a imaginação. Ou pelo menos o espaço mental que aceita e permite que outras realidades surjam.

Afinal, por exemplo, qual seria o tempo de leitura de Homero ou dos sutras budistas? 3 mil anos?