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Esse trabalho vai revolucionar o mundo

Por Eduardo Fernandes.

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Como se sabe, a vida não está fácil. Então, venho precisando me aplicar para vagas de emprego formal. Que aventura. Descobri que a maioria das empresas (na minha área, pelo menos) virou partido político ou agência de super-heróis.

Aparentemente, todas estão nessa de revolucionar o mercado. Hoje em dia, é uma vergonha apenas fabricar, sei lá, cortinas: a empresa precisa dizer que está salvando o universo do problema da luz. Porteiro? Revolucionando o mercado de segurança. Despachante? Praticando smart-bureaucracy.

Não sei quem escreve os anúncios de emprego publicados no LinkedIn. Deve ser a mesma agência. Nela, colocam cocaína no café. Só pode ser.

Certa vez, fui incitado a dizer porque eu queria ser um "(nome da empresa) Samurai". Samurais eram assassinos. #cuidado_com_suas_metáforas. Além disso, é como se, num primeiro encontro às cegas, já tivesse que dizer que morreria e mataria pela pessoa. Espere aí, vamos tomar um vinho antes.

É que o tom de marketing superlativo, popularizado por Steve Jobs nos anos 80, meio que virou a regra. E leva a umas situações constrangedoras, como listar salário como benefício. "Aqui o trabalho não é escravo. Nós te pagamos! Venha mudar o curso da história!"

É claro: estou exagerando para efeito cômico. Mas nem tanto. Nem tanto. O que eu queria dizer é que esse estilo bombado de contratação pode ser um novo tipo de discriminação social.

Qual é a sua identidade de gênero? Quais são os seus pronomes? Você tem alguma deficiência? Qual seu nível de ansiedade? "Desculpe-me, eu sou um cara relativamente equilibrado, ainda tem vaga para mim?"

As pessoas calmas, tímidas, sistemáticas e humildes também precisam trabalhar. Mas, agora, são obrigadas a se mostrar mega empolgadas, a enviar vídeos contando o quão são incríveis, rápidas, disruptivas e "sangue no olho".

Se você não fingir ser um feliz adepto da Hustle Culture, é melhor ir pensando em comprar uma barraca e se mudar para o parque Trianon. Ou melhor: revolucionar o mercado de habitação alternativa.