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Eu, Avatar

Por Eduardo Fernandes.

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0 As rugas ornamentais de Tom Waits.

Dia desses, conversava com uma amiga sobre envelhecimento. Para as mulheres, a pressão estética é escorchante: são levadas a pensar no crescimento do nariz, em bocas tristes e percebem rugas em locais que eu nem sabia existirem.

Esse é o resultado de décadas de formatação cultural: cria-se um tipo ideal de corpo "jovem" e também o seu inimigo, a "doença" da velhice, que deve ser combatida por intervenção cirúrgica ou comportamental. E dá-lhe aplicações de ácidos, hormônios e técnicas que, em casos extremos, praticamente nos transformam em avatares.

Avatarização de si #

Avatar é uma invenção interessante. Pode ser uma representação simplificada e/ou modificada de um corpo. Não está sujeito ao tempo ou à decadência. É uma vingança da mente contra o corpo: o desejo que transforma o visual.

O avatar surge nas artes — pense no Rei Henrique VIII forçando seu retratista a desenhá-lo de maneira heroica. Depois vai para a propaganda, de Joseph Goebbels até Hollywood. A seguir, se espalha no universo digital. Desde a eugenia, volta, com força total, para o biológico: hoje é bastante comum adaptarmos nossas imagens, gêneros e corpos aos nossos desejos.

É tudo percepção #

Não estou criticando. Quem sou eu para decidir o que as pessoas deveriam fazer com seus corpos?

O que eu queria dizer é o seguinte: até agora, o mercado da avatarização de si, tem se focado na parte mais obviamente biológica da identidade. Ou seja: na transformação física. Porém, isso é como tentar cobrir o mundo de couro, em vez de usar sapatos. Porque, afinal, tudo é uma questão de percepção: como você (e a sociedade) encaram seu corpo.

Assim, no futuro, três cenários podem surgir:

  1. Migrar (ainda mais) as atividades humanas para os espaços digitais. Pense em toda essa conversa sobre metaverso. Ou mesmo nos filtros de fotografia, nos apps que alteram sua aparência no Zoom, etc. Isso poderia se estender para a voz, para as habilidades interpessoais e até mesmo para os próprios pensamentos e emoções. Software como intermediário das relações da mente, consigo mesma e com a sociedade. Proxy cognitivo.
  2. Migrar a digitalidade para o mundo mais obviamente físico, como acontece nos aplicativos de augumented reality. Você cria uma imagem ideal com a qual esteja satisfeito. A partir daí, sistemas de inteligência artificial calculam variações dos seus movimentos, etc. Isso pode ser projetado de volta para você, via óculos ou pelos chips cerebrais do Elon Musk. Assim, sempre que estiver diante de uma superfície reflexiva, você veria uma imagem corrigida, do seu "eu ideal".
  3. Indo ainda mais diretamente ao ponto, remédios podem ser criados para simular a sensação de contentamento. E, então, o avatar seria irrelevante: você apenas bloquearia o mal-estar de "ser aquilo que é".

Enfim, envelhecer está ficando mais complicado. Deve ser por isso que Tom Waits dizia, tragicomicamente, "eu não quero crescer".