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Falso Profundo #9 - O bebê mais importante da história

Por Eduardo Fernandes.

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Falso Profundo é um trabalho de ficção. Ainda que use nomes de pessoas reais e algumas situações históricas reconhecidas como verídicas, não tem o objetivo de acusar ninguém ou criar teorias da conspiração. A ideia é mostrar cenários absurdos e exagerados, que nos façam refletir melhor sobre conceitos e objetivos que permeiam a nossa época.

Transcrição do episódio #

O dia começou de um modo estranho pra Elon Musk. Ele acabara de receber a confirmação de que agora era o homem mais rico do planeta. Mas isso não o deixava exatamente feliz. Sentado sozinho no porão da casa que um dia fora do ator Gene Wilder, Musk sentia-se ansioso, movendo os pés de um jeito contínuo, como se estivesse tocando o bumbo de um kit de bateria invisível.

"Vamos ver o que o Jeff vai fazer agora", murmurou pra si mesmo. Referia-se a Jeff Bezos, dono da Amazon. "Na verdade, tô cansado dessa brincadeira. Eu deveria estar gastando tempo em chegar a Marte, não ficar jogando xadrez financeiro com geeks de meia idade… Mas, enfim, tarde demais. Agora é esperar o próximo movimento do Jeff. Ou do Bill… Ah… Esquece isso! De volta ao trabalho".

Realmente, Musk tinha um assunto bem urgente pra resolver. Fazia pelo menos um ano que ele não conseguia mais se comunicar com Archangel 12. Não o bebê, seu filho, que parecia dormir tranquilamente em algum lugar bem protegido. Pelo menos, essa era a imagem que ele via numa das telas de computador à sua frente.

Em cada canto do monitor, havia textos mostrando os sinais vitais e todo tipo de dados sobre a saúde da criança. Algumas pessoas acusariam Musk de ser algum tipo de cientista maluco, usando o próprio filho como cobaia pros seus experimentos. Mas ele apenas se sentia um pai adequado à sua própria época: em vez de contratar uma babá, ele usava computadores e sensores pra manter seu filho vivo e saudável.

Mas talvez seja importante mencionar que, afinal, Archangel 12, a criança, realmente foi o primeiro ser humano a ter um chip Neuralink implantado no cérebro.

Tal era a confiança de Elon Musk na eficácia e segurança do trabalho da sua equipe. E, também, tal era o comprometimento do bilionário com a sua visão pro futuro da humanidade. Esses planos não poderiam ser obstruídos pela morte do seu corpo físico. Em vez de passar suas empresas pra próxima geração, Elon Musk queria deixar aquilo que de maior valor ele possuía: sua mente.


Essa era uma completa revolução na educação, um jeito muito mais eficiente de passar o conhecimento adiante: implantar o Neuralink num cérebro ainda em formação.

Em vez de ter que torcer para que o melhor acontecesse durante o crescimento e desenvolvimento intelectual do filho, Musk fecharia o ciclo que começara já na concepção da criança.

Afinal, ela era um resultado do seu esperma. A mente da criança já é uma espécie de continuação das características biológicas dos pais, certo? Por que, então, delegar o controle do desenvolvimento daquela criança a fatores completamente caóticos e nada confiáveis da sociedade e da própria biologia?

Como todo bom pai, Musk sentia-se apenas muito preocupado com o futuro de seu filho. Mas não só: ele também precisava garantir que seus projetos continuassem no futuro. Isso era um imperativo pra toda a humanidade. O que poderia acontecer ao planeta se Musk se desse ao luxo de morrer?

Os egípicios tentavam armazenar seus corpos com a esperança de voltar a usá-los no futuro. E, assim, procuravam garantir a continuidade e a evolução de uma cultura que julgavam indispensável pro futuro. Hoje em dia, muitos congelam corpos criogenicamente, com motivações bem menos grandiosas. Mas não Musk: ele não tinha apego ao seu corpo. Ele pretendia implementar sua própria consciência no cérebro do filho.

Ou algo parecido com isso.


Desde o nascimento, Archangel 12, o bebê, era uma inovação, uma atualização radical na eficácia do processo de paternidade e da própria educação. E até mesmo na economia, na transferência de riquezas entre gerações.

Por isso, Musk passou anos vendendo todos seus pertences inúteis: casas, aparelhos etc. Manteve apenas a estranha casa que fora de Gene Wilder, por conta do espírito de experimentação e humor que se mantinha vivo em cada parede, com quadros surreais, móveis estranhos e incompletos e portas falsas, que levavam a lugar algum. Era ali, nesse ambiente de criatividade, que Musk observava seu filho biológico, completamente saudável e feliz. Mais um projeto audacioso bem-sucedido.

O grande problema era o outro Archangel 12, o digital, aquele que deveria estar guardado, digamos, in-vitro, no computador à frente de Musk. Um ano completo de busca inútil. Archangel 12, a consciência, ou melhor, toda a coleção de dados, padrões cerebrais e descrições biológicas que o bilionário armazenou ao longo de 10 anos, tudo isso, aparentemente sumiu. Teria sido mais uma manobra de Bezos? Uma falha dos códigos de Ray Kurzweil? Ou talvez algum hacker tivesse "sequestrado" sua consciência, assim como fizeram com sua conta no Twitter, há alguns anos.

Então essa era a situação: o Neuralink estava pronto, implantado, seguro e funcional. Mas, agora, Elon Musk tinha nada pra enviar pro chip. Pior: em breve, seria tarde demais. Como qualquer outra criança, o bebê teria que lidar com muitos impulsos conflitantes vindos do meio ambiente, e isso poderia atrapalhar ou até destruir completamente o projeto.

Nesse momento, Musk era o homem mais rico do planeta. Mas incapaz de possuir aquilo que ele mais queria: sua própria mente. Ou melhor, uma representação digital dela, também conhecida como Archangel 12.


Trilha sonora #

Crowander - Slow Motion

Scott Holmes - Creative Design

Filmy Ghost (Sábila Orbe) - Frozen Caves (Cryogenia of the Species)