Por Eduardo Fernandes.
Exemplo da estética Angelcore, popular na Internet.
Tenho um certo fascínio pelo fim das coisas. Civilizações, tecnologias, bandas, relacionamentos, movimentos sociais. Se a profissão existisse, eu seria um "entropiologista", ou "finólogo".
É que, assim que algo é criado (ou percebido), já começa a se deteriorar e corromper. Parece óbvio. Mas não é incrível?
Alguns fenômenos mudam rapidamente, como que vaporizados da cultura. One hit wonders, paixões, certas modas.
Outros apenas parecem existir, mas, quando analisados de perto, fragmentam-se cada vez mais. Punk(s), anarquismo(s), "pensamento oriental". Quase não há como agrupá-los seriamente.
Há fenômenos que parecem se transformar lentamente. Degeneram-se de maneira enganosa, às vezes até festiva, disfarçada de sucesso. E, então, mal percebemos a dissolução das suas premissas.
Também há aqueles com morte falsa, no melhor estilo barata encurralada. Eles desaparecem por um tempo, se escondem e, aos poucos, surgem novamente -- como louça, impostos, fungos e fascismo.
Os fenômenos culturais se transformam constantemente até ficarem irreconhecíveis. Porém, por medo, ignorância, apego ou conveniência, tentamos preservá-los, reconstruindo narrativas e fingindo que nada está acontecendo.
Até que surge o "ponto de não-retorno".
Imagine que nossa civilização sofresse uma ruptura ainda maior do que a que já está em curso. Se os machos-brancos-poderosos do planeta decidissem lançar suas bombas e fugir para seus bunkers, nos deixando para rachar a conta.
Se o mundo ocidental capitalista, que se acha eterno, "realista" e resiliente – como tantas civilizações do passado –, de repente se descobrisse obsoleto, irremediavelmente metamorfoseado, após sonhos intranquilos.
Que fragmentos culturais sobrariam? Quais vestígios seriam encontrados? Como os arqueólogos descreveriam nossa época? Como entenderiam nossas infinitas subculturas, que concorrem entre si e se complementam simultaneamente?
No começo do século 21, houve a maior explosão de identidades da história. Não só as de gênero, raça, sexuais, neurológicas, religiosas, mas também as estéticas. Coisas como cottagecore, cyberpunk, solarpunk, vaporwave, kimoicore e muitas outras.
Nessa época, criamos zilhões de vórtices identitários paralelos. Todos baseados no consumo (físico ou digital) e, de alguma forma, patrocinados pelo capital financeiro e publicidade.
Tivemos de administrar essas identidades, quase como empresas. Seguíamos metas. Fazíamos marketing. Tivemos de reafirmá-las e questioná-las constantemente, em espaços supostamente públicos, "cedidos" por empresários cultuados como deuses.
Que época! Éramos empregados das identidades, sem férias, numa era de intensa ocupação, de ansiedade máxima, como apontou Mark Fisher. Onde foi que as coisas saíram do controle?
Não estou defendendo o aceleracionismo, obviamente. Nem teria energia para jogar lenha na fogueira e ver o resultado. Ainda assim, não há como negar que haja algo de fascinante na ideia de degenerescência. Ou, pelo menos, na redescoberta de que vivíamos numa ilusão de estabilidade e sustentabilidade.
É uma sensação de, finalmente, enxergar o erro para poder vislumbrar uma "purificação" coletiva. Ou encontrar a tal mola no fundo do poço.
Ou olhar para essa cultura que, supostamente, teria nascido no pós-Segunda Guerra para combater o fascismo, e notar que ela forneceu mais combustível para a volta do terror.
Ou descobrir o quanto estivemos afastados das nossas mentes, das questões concretas das nossas comunidades, sonhando com grandeza, glamour e com a existência de um hedonismo eterno e sem consequências. Um romantismo sem tédio, uma classe-média que se tornaria elite. Uma vida sem morte.
Finalmente, percebemos como fomos os perus estufados antes de virar ceia?
É por isso que o fim é tão fascinante. É didático. Não admite enrolação. Até mesmo o cheiro do que está prestes a azedar é informativo. Vamos ver quais serão as próximas camadas de fins (e recomeços) que as próximas semanas nos reservarão.
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