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Guerra civil da atenção

Por Eduardo Fernandes.

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Cena do filme Sick of Myself.

Preciso incluir mais um item na minha lista de hipóteses em busca de comprovações científicas. Esse:

Nada a ver com pessoas procurando seguidores nas redes sociais. Essa tese aí é chutar HD morto. Já sabemos como a coisa funciona.

Ainda assim, tem a ver. A convivência diária com as redes sociais e tecnologias móveis ajudou a descalibrar a nossa expectativa de quanta atenção deveríamos receber. E quão rapidamente.

Parece que temos uma expectativa um tanto rígida de como as pessoas devem se importar com nossas opiniões, estados mentais e chiliques.

É que, ao longo dos anos, fomos nos acostumando a ter algum tipo de feedback rápido, muitas vezes até imediato, pras “nossas aventuras mentais”. E, agora, a tolerância à indiferença (ou à demora pra receber atenção) cresceu pra níveis não muito realistas.

De novo, não estou falando de etiqueta de WhatsApp -- ainda que esse seja um assunto relacionado. A ansiedade nos programas de mensagem é um sintoma da necessidade de estar no centro das atenções. Mas também ajudou a treinar nossas expectativas.

Ainda assim, penso num outro fenômeno: a necessidade de estar em constante carreira solo em vez de se adaptar aos ritmos da coletividade.

Um filme recente me chamou a atenção pra isso. Foi recomendado pela Lalai Persson e chama-se Sick of Myself. É uma espécie de comédia de horror, escrita e dirigida pelo norueguês Kristoffer Borgli.

O filme conta a relação competitiva entre dois desesperados por atenção. De um lado, um artista fraudulento em busca de espaço nas galerias de Oslo. De outro, sua namorada, que quer não só a atenção dele, mas a de toda a galáxia.

O artista está completamente hiperfocado na sua carreira. É aquela típica pessoa que tenta vender seu peixe o tempo todo e manipula os outros pra expandir sua fama.

Cena do filme Sick of Myself

Já a namorada é muito mais radical: descobre um remédio russo proibido que causa problemas de pele e começa a tomar quantidades cavalares dele. Em poucos dias, sua aparência fica, digamos, fora dos padrões de beleza nórdicos.

Assim, finalmente, a garota vira o centro das atenções. E o filme é especialmente sagaz em mostrar como outras pessoas tentam tirar vantagem dela pra ampliar seus próprios espaços.

O destaque vai pras passagens que mostram as maquinações mentais da personagem. Nas suas fantasias, a doença deveria lhe dar uma carreira de sucesso midiático.

E é por isso que usei o termo guerra civil por atenção. Em Sick of Myself, todos estão constantemente aplicando suas táticas e estratégias pra conseguir atenção. Uma espécie de micro-geo-política. Ou pior: todos contra todos. Pandemia de narcisismo.

O desejo pela Atenção Total transforma os personagens em conspiradores, lobistas e mentirosos. Se a tolerância pra dividir o palco diminui, imagine, então, os momentos eventuais de indiferença (que, até há pouco, eram considerados mais ou menos “normais”).

Acaba que Sick of Myself é um filme de terror. Mas não sei onde está o pior terror ali. Na desintegração física da garota ou na guerra pela atenção?