Por Eduardo Fernandes.
Toda guerra física também é guerra de informações.
Isso está cada vez mais claro na atual situação em Gaza. As redes sociais foram tomadas por conteúdo falso, imagens tiradas de videogames, influencers que fingem cobrir o conflito de perto e todo tipo de conteúdo sensacionalista, buscando popularidade e monetização.
Ao conviver diariamente com esse fluxo de informações, criamos três problemas adicionais:
- Reagimos emocionalmente, destruindo nossa saúde psicológica.
- E, ao fazê-lo, aumentamos a visibilidade do conteúdo ruim.
- Validamos as redes sociais, o ambiente de mídia e o modelo de negócios que explora situações de crise.
Todos nós mais ou menos sabemos disso.
Mas essa também é uma oportunidade pra abandonar alguns modelos de jornalismo que, ao longo do século 20, ajudaram a criar as bases dos atuais problemas das redes sociais.
A seguir, vamos investigar alguns deles.
Jornalismo como entretenimento #
No mundo ideal, deveria existir uma maneira clara de distinguir jornalismo de entretenimento.
Algo realmente chato. Antes de começar a assistir uma cena de bombardeio, o consumidor veria um disclaimer, quase que um contrato:
- Esta cena pode ter sido filmada de modo a distorcer o que realmente aconteceu. Você quer assistir?
E um botão: “sim, eu aceito me entreter com a desgraça alheia”.
Ou algo ainda mais impensável:
- Por que você quer assistir a este vídeo? Com a opção de clicar em a) entretenimento ou b) tenho alguma relação direta com a situação.
Caso a pessoa clique em b), opções relevantes surgiriam, como contatos de entidades assistenciais locais, artigos com análises mais substanciais da situação, etc.
Ou seja: algo que ajude. Não que incite emoções, voyeurismo ou hipocrisia.
Periodicidade #
O próprio conceito de notícia deve ser questionado:
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Quando precisamos saber o que está acontecendo em tempo real?
- Trânsito, clima, situações de segurança que tenham um impacto imediato na sua rotina. Isso pode ser gerenciado de maneira mais eficaz por aplicativos e notificações ajustáveis.
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Periodicidade pode ser o maior veneno do conhecimento. Porque obriga o veículo a produzir conteúdo, mesmo quando não há nada relevante pra dizer.
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Porém, periodicidade também pode ser útil. Já que a realidade é complexa e multifacetada, convém dividir e expandir as análises ao longo dos dias.
Formatos #
No mundo ideal, jornalismo deveria contextualizar, explicar e investigar.
Mas, pra acomodar essas atividades ao formato de entretenimento, surgiram as onipresentes entrevistas com especialistas.
O coitado do acadêmico tem que explicar um fenômeno complexo em 5 minutos. E ainda aguentar perguntas sem sentido.
Pior: hoje em dia, ainda temos vídeos de YouTube e TikTok, que tentam misturar ainda mais entretenimento com conhecimento. O usuário precisa navegar por inúmeros obstáculos de personalidade e de anúncios até chegar a uma informação (geralmente incompleta).
Esses formatos também deveriam ser considerados desinformação. Porque assumem que todo conhecimento pode ser empacotado como entretenimento. E isso pode distorcer a informação.
Técnicas de TV e marketing não necessariamente levam à clareza e objetividade.
Por isso, de novo, precisamos de disclaimers: “este conteúdo é feito pra fins de entretenimento.”
Vai funcionar?
Só nos primeiros dias. Depois, nos acostumaremos e os avisos se tornarão invisíveis.
Mas seria um primeiro passo pra (pelo menos) nos lembrar de qual contrato assinamos ao consumir aquele conteúdo.
Ou nos faria pensar:
- Tenho que, necessariamente, ter uma opinião sobre isso?
- Por quê?
- O que vou fazer com essa opinião?
- O que estou, realmente, buscando aqui?
Existe muito conhecimento fora da mídia #
De alguma forma, precisaríamos ser lembrados constantemente de que:
- Notícia é útil em certos casos. Em outros, pode atrapalhar e confundir.
- O conhecimento se forma a partir de vários meios: livros, artes, meditação, contemplação (e deve soar um absurdo dizer isso em 2023, após séculos de midialização da psique).
- Quando você debate sobre um assunto, muitas vezes está falando apenas sobre a versão midiática dele e não sobre o assunto em si.
Conclusão provisória #
O consumo de mídia poderia ser fragmentado da seguinte maneira:
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Informações práticas / serviços. Seriam gerenciados por aplicativos. Mapas, notificações, sugestões de alternativas e resoluções relevantes.
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Contextos e análises. Manter um ciclo mais lento de compreensão dos assuntos.
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Diversidade de tempos de consumo. Aumentar o respeito e tolerância ao ritmo mais lento de uso da informação.
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Desmonetizar de antemão qualquer notícia sobre guerras, pandemias e política. Cortar o incentivo de usar crises públicas como meio de fazer dinheiro fácil.
- Então, como os veículos sérios fariam dinheiro? Esse é um assunto complexo, pra outro texto.
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Fornecer instrumentos de autoconhecimento e suporte. Ajudar as pessoas a perceberem quando usam notícias pra conseguir entretenimento, validação pessoal e gerenciamento de emoções aflitivas.
- Imagino que algoritmos podem detectar alguns padrões de comportamento e enviar alguns avisos úteis.
- Não se trata de censura. Mas de incentivo ao autoconhecimento. O usuário decide o que fazer.
Mas, enfim, admito: essas ideias são absolutamente utópicas e malucas.
Faz parte.
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