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Luta de classes digital

Por Eduardo Fernandes.

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Parece que o bicho está pegando no Basecamp. De acordo com um artigo do The Verge, já faz alguns anos que os funcionários da empresa debatem sobre questões como diversidade e racismo. Essas discussões eram encorajadas pelos diretores, Jason Fried e David H. Hansson. Mas, agora, eles publicaram um manifesto declarando um "basta!" Empregados somente poderão debater política e sociedade em seus espaços pessoais de publicação.

Rápido contexto.

Basecamp é uma pioneira no mercado de aplicativos pra gerenciamento de equipes trabalho. Surgiu bem antes de Slack, Microsoft Teams, entre outros, ficarem conhecidos. Os diretores escreveram vários livros e inúmeros posts em blogs sugerindo técnicas pra manter uma empresa saudável e funcionários felizes. Foram alguns dos primeiros a defender o trabalho remoto, numa época em que isso era visto com extrema desconfiança.

Então, o que aconteceu? Afinal, Fried e Hansson eram hipócritas? Suas ideias estavam erradas? Não exatamente. Aconteceram 10 anos de redes sociais.

É claro que, nos EUA, os trabalhadores da área de tecnologia (digital) estão acordando de seus sonhos coloridos e cheios de snacks. Exigem seus direitos, enxergam as contradições desse mercado. E, como um Neo desligando-se da Matrix, percebem que esse não é um processo indolor.

Nem novo.

Lembre-se do documentário sobre o nascimento da Mozilla. Ou até mesmo do Triunfo dos Nerds. Considere também que, desde o arado, e, em especial, a partir da Revolução Industrial, o número de trabalhadores envolvidos com tecnologias só cresce.

Então, o que há de diferente agora? É que essa "consciência de classe" vem caracterizada por anos de treinamento de debate seguindo a lógica emocional e reativa das redes sociais. Assim, as contradições entre empregados e "donos dos meios de produção" surgem como um constante bate-boca, tweets, posts, vídeos etc. Conteúdo.

Agora, a luta de classes é digital, comercializada e utilizada pela maquinaria das redes sociais (coleta e venda de dados e anúncios). Assim como, no passado, ela foi explorada pela TV e Imprensa. A cobra morde o próprio rabo e se alimenta dele: as empresas de mídia lucram com as próprias contradições.

Então parece que o mundo virou um fluxo de gente reclamando e brigando – até tu, Basecamp. Como sugere Jaron Lanier, essa sensação de discussão onipresente é um resultado da mudança de paradigma de comunicação que aconteceu desde a popularização das redes sociais. Ainda que estejamos presos em bolhas de informação, ouvimos o burburinho lá fora e ficamos constantemente tensos.

Mas a questão aqui é outra: quando todos reclamamos emocionalmente e o tempo todo, é fácil surgir saídas como as dos diretores do Basecamp: "chega! Voltemos à magnânima e inquestionável produtividade".

Isso mostra que a mensagem incomodou. Mas, pra produzir mudanças no mercado de trabalho, é preciso ir além de postar nas redes sociais. A discórdia tem um alcance limitado. A união parece cambalear pra um pouco mais longe.

Alguém aí falou sobre os velhos e surrados sindicatos? Sobre boicotes táticos? Ajustes em legislações? Quem tem medo da política?