Por Eduardo Fernandes.
Joseph Gordon-Levitt, no papel de Travis Kalanick, fundador da Uber.
Parece que a moda agora é se indignar com a vida dos barões da big tech. Os serviços de streaming começaram a despejar séries como WeCrashed, Super Pumped, Dropout, entre outras, que tratam da ascensão e queda dos polêmicos fundadores da WeWork, Uber e Theranos.
De repente -- aparentemente do nada --, a indústria do entretenimento descobriu esse filão: relatar as maracutaias, injustiças e dramas por trás da cultura dos unicórnios. Como se a Netflix, Apple etc. não tivessem histórias parecidas para contar.
Como lembra uma matéria na InfoMoney, o assunto já é explorado há pelo menos uma década, desde A Rede Social e, de certa forma, Silicon Valley. E a crítica aos super empresários entusiastas bombados pelo capital financeiro já é um gênero de cinema bem estabelecido, talvez desde os anos 1970.
Não sei qual é o motivo por trás de lançar essas séries simultaneamente. Ainda assim, é útil que estejamos desenvolvendo algum nível de consciência do poder destrutivo dos autocratas. E não, não estou falando só de Vladmir Putin.
Empresários autocratas #
Nas empresas, é fácil encontrar autocratas, que criam narrativas, manipulam fatos, convencem / instigam / obrigam funcionários a agir de modo antiético ou insalubre. Isso acontece em empreendimentos de qualquer tamanho, dos unicórnios aos camundongos. Muitas descrições de vagas de empregos parecem até procurar micro autocratas, gente cafeinada, impaciente, à beira de um ataque de nervos.
O problema aqui não é só o dinheiro e a ganância. É a cultura que valoriza a autocracia, o indivíduo supremo que passa por cima da comunidade para "mudar o mundo". O culto à inovação. A valorização da velocidade, do heroísmo, da arrogância, da suposta genialidade.
É claro que o dinheiro contribui, tirando o autocrata do chão, separando-o ainda mais dos problemas diários da comunidade, dando-lhe uma falsa sensação de poder infinito (God Mode). Mas, por outro lado, dinheiro também funciona como antídoto, já que, cedo ou tarde, ele acaba. E isso força o super-herói a voltar a ser humano.
Assim, por mais violenta que seja a autocracia, ela só se sustenta por meio de uma cultura que lhe seja favorável, que permita que ela se desenvolva e vá, gradualmente, tomando poder, influenciando cada aspecto da sociedade. Depois de um certo ponto, torna-se extremamente difícil pará-la.
O outro lado #
O grande problema é que até existem mecanismos contra a autocracia. Mas, como todas as atividades humanas, eles podem, também, se corromper. Podem virar excessiva burocracia, esmagamento do indivíduo, preconceito e lobbies. Como budista, só posso pensar: samsara não tem conserto mesmo.
Ainda assim, acho que há uma abordagem que pode nos ajudar a corrigir continuamente os problemas tanto da autocracia quanto do conservadorismo. É a visão sistêmica: todas as nossas ações têm consequências múltiplas, não-lineares, descontínuas e interdependentes. Já sabemos que vai "dar ruim" em algum lugar. Benefícios (temporários) surgirão também.
Ou seja: quando aparece um branquelo super pumped cheio de ideias revolucionárias, sim, eu quero ouvi-lo. Mas já sabendo que há uma bomba à minha frente. E é como câncer: se você detecta um comportamento autocrata cedo, tem menor chance de sofrer depois.
Primeiro respire, depois vamos pensar nessa história de mudar o mundo.
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