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Monocultura intelectual

Monocultura intelectual

Por Eduardo Fernandes.

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Li, no Manual do Usuário, uma coisa que me deixou intrigado. O editor, Rodrigo Ghedin, pediu que os leitores do fórum do site sugerissem atividades livres de telas. Fiquei me perguntando se já estamos tão absolutamente dependentes de telas a ponto de precisarmos de dicas específicas do que fazer longe delas.

Logo a seguir, o teórico de mídia, Douglas Rushkoff, publicou um texto praticamente sobre o mesmo assunto: nossa relação com o solo, o corpo, a comunidade e as atividades off-line. Em algum momento, ele dispara um discurso sobre ajudar o vizinho, sair pra rua, ser respeitoso, etc. Coisas que, aparentemente, ouviríamos dos nossos pais, quando crianças.

Por que essas ideias soam tão estranhas, quando ditas em sites sobre tecnologia?

É que, de alguma forma, estamos aplicando a lógica da monocultura, que veio do campo, às atividades intelectuais. Ou seja: é o enfraquecimento da diversidade. Menos atividades off-line, menos movimento do corpo, maior controle, menor flexibilidade e resiliência diante de imprevistos.

Nos ambientes on-line, seguimos a lógica dos negócios. Sem pensar. Por exemplo, a pessoa tem medo de começar a escrever porque acha que não “possui” uma audiência – como se todos os artistas e teóricos do passado tivessem começado suas carreiras comprando usuários em fazendas de cliques.

A monocultura vai apagando a lembrança de como é viver na diversidade. Vai sugando toda a energia do ambiente (cognitivo e físico) pra um só objetivo: crescer. E todas as atividades vão ganhando ares de gerenciamento, de negócios: amizades, sexo, diversão e até espiritualidade.

Mas alguém ainda precisa experimentar o prazer de NÃO fazer negócios, de se engajar em atividades que não trazem lucro, nem reconhecimento pessoal, nem diplomas ou medalhas. Nem que seja por 10 minutos por dia. Andar no mato sem um aparelho pra contar estatísticas. Cozinhar sem tirar fotos. Viver por viver.

A monocultura é o que faz perguntas como as do editor do Manual do Usuário e os “sermões” de Rushkoff soarem estranhos. Nos levam a entender o quanto mudamos nos últimos 10 anos: “espera aí. Agora é preciso falar sobre essas coisas em sites de tecnologia?” Pelo jeito, é.


Underground #

A existência de “undergrounds” é extremamente necessária pra preservar a diversidade cultural. Em algum lugar, precisa haver a apreciação do segredo, da conexão um a um, das piadas internas e da comunidade.

Essa lógica não pode ficar nas mãos apenas da extrema-direita e de ideologias autoritárias. Underground não pode virar coisa exclusiva pra bandidos.


A Internet está mudando? #