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Monopolizando o conhecimento

Por Eduardo Fernandes.

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Não é muito fácil adquirir conhecimento hoje em dia. Quer dizer: provavelmente, o acesso a textos nunca esteve tão disseminado. Há técnicas didáticas, cursos e professores para praticamente tudo. E esse é exatamente esse o problema.

O próprio acesso abundante à informação deu peso e velocidade maior para problemas que vêm nos acompanhando desde o surgimento dos hommo sapiens: como garantir a veracidade, a qualidade e a relevância da informação que consumimos? Como contextualizar dados, num mar de conceitos que se acumulam cada vez mais?

Aparentemente, ao longo da história, cada sociedade usou um método validador, digamos, majoritário. Por exemplo, as religiões, as tradições regionais, a hierarquia familiar, a política. Esses métodos, até certo ponto, convivem e lutam entre si. Mas um deles sempre aparece como mainstream.

Hoje, nosso filtro majoritário está migrando cada vez mais para a lógica do entretenimento: o que é mais divertido? Como passar uma informação de um jeito resumido, capaz de agarrar sua atenção e mantê-la por alguns momentos? Como transformar um usuário em fiel e divulgador? Em paralelo, qual discurso é capaz de sobreviver por mais tempo às modas ideológicas que nascem e morrem de uma maneira cada vez mais rápida nas redes sociais, como trending topics e memes?

Se, até recentemente, estávamos preocupados em trazer elementos da vida off-line para a Internet (como esqueomorfismo, design gráfico, revistas, espaços públicos), agora é o contrário: precisamos adaptar a vida off-line para o tempo e o discurso das redes sociais, dos memes, das dancinhas, etc. Muitos profissionais acreditam ser preciso falar essa linguagem para poder, de alguma forma, sobreviver.

Essa ideia fica clara num trecho do especial de um comediante chamado Murilo Couto. Confira.

A piada mostra como até mesmo os médicos precisam falar como influenciadores. E, segundo Murilo, agora é difícil saber o que é uma profissão “séria”.

O que o comediante parece notar é uma mudança na luta entre os saberes, um abalo nos discursos que costumávamos usar para validar um profissional e uma determinada informação.

Eu prefiro chamar esse fenômeno de alteração de tendência monopolizante. O entretenimento de redes sociais começa a absorver parte dos outros saberes. Pelo menos a porta de entrada para eles.

Os profissionais falam como influencers, mas também os influencers, até certo ponto, falam como profissionais. Isso fica mais claro na indústria dos coachs, coachs quânticos, professores auto-validados de YouTube, entre outros.

Por um lado, temos o conhecimento tentando virar entretenimento. Por outro, o entretenimento tentando virar conhecimento.

Esse é um dos desafios da nossa época: tentar criar uma linguagem que escape, ou que pelo menos sobreviva às tentativas de monopolizar a cultura para a lógica das redes sociais e do comércio.

Muita gente acha que a web 2.0 está moribunda, mas ela parece ainda ter um certo gás para queimar. Até porque, aparentemente, pode-se dizer que os antigos detentores do saber são bastante conciliadores, estão fazendo o possível para se adaptar.

Talvez, fora da minha bolha, existam comunicações e experiências radicalmente diferentes, que fujam totalmente da lógica da tentativa de influenciar e monetizar. Mas, eu, realmente, não tenho sido eficiente em descobri-las. Por favor, me conte se você viu algo diferente por aí.