Por Eduardo Fernandes.
Transcrição #
Tenho evitado me engajar em novos seriados, mas precisei dar uma espiada em Foundation, lançada em setembro. É que o programa foi baseado nos livros de um dos autores mais importantes da ficção científica, o norte-americano, Isaac Asimov.
Asimov escreveu os textos nos anos 1940, antes do fim da Segunda Guerra, quando a Indústria Cultural entrava na, digamos, pré-adolescência. Ainda assim, criou algo que, hoje em dia, chamaríamos de “franquia”.
Ou seja: gerações de personagens mitológicos, habitando um universo muito particular, cheio de planetas estranhos e linhas narrativas que se desenvolvem ao longo de séculos, tudo amarrado por uma história baseada na decadência do Império Romano.
É uma franquia tão complexa que desafiaria os fãs mais diligentes da Marvel e da Star Wars.
O engraçado é que, hoje, ao assistir à série Foundation, acabamos por saboreá-la com uma sensação de enjoo, de quem já está de barriga cheia e atordoado por tanto entretenimento intergalático.
Não que a série seja ruim. Pelo menos nos efeitos visuais, é compatível até com clássicos como Blade Runer.
Mais: os personagens foram adaptados para as nossas atuais sensibilidades sociais. Você encontrará mulheres e pessoas de cor nos papéis mais heroicos. E homens brancos nos personagens ditatoriais e polêmicos, como os da dinastia de imperadores e o próprio matemático, Dr. Hari Seldon.
Mas por que só agora Foundation recebeu tamanha atenção e investimento? E por que foi financiado logo pela Apple, uma empresa que segue uma estética um tanto imperial? Não investiguei a razão mercadológica por trás desse fenômeno. Mas é certo que a série dialoga com nosso zeitgeist.
Em todos os cantos, há um sentimento de que um período de decadência está por vir.
Em especial, desconfiamos da ordem mantida pelas elites, que parecem estar há séculos no poder. Assim como os imperadores de Foundation, sentimos que essas elites também clonam o mesmo DNA há muito tempo.
Porém, também nos viciamos na conveniência que elas promovem (para alguns de nós). E temos medo de perder as facilidades da tecnologia para um caos, cheio de bárbaros de outras culturas e desastres naturais.
Ou seja: nossas mentes ainda estão colonizadas pelas elites. Cansamos dos governantes, mas ainda acreditamos nos seus valores.
Ainda aceitamos cegamente que aquilo que chamamos ordem e de tecnologia são ideais absolutos, apenas foram corrompidos. Não são estes que, eventualmente, causam sua própria decadência.
E aí está o ponto que parece (de certa forma) anacrônico. A série delega a salvação da galáxia para o conhecimento, particularmente para a matemática, e para aqueles que seriam seus portadores exclusivos, os cientistas.
Vemos políticos compensando sua insegurança por meio de extremismo e chacinas. Religiosos negacionistas afogando dissidentes. Porém, os cientistas são imparciais. Pelo menos na leitura feita pelo seriado de TV, os cientistas são heróis e detêm o monopólio da verdade.
Ou seja: a religião e as culturas nativas são desqualificadas, não são conhecimentos válidos, não devem ser ouvidas. A não ser em casos de medo extremo. Elas servem para consolar, não para pensar.
De novo, não custa lembrar que os textos de Asimov foram escritos antes do fim da Segunda Guerra. Um cenário particularmente desesperador e já apontando para uma desconfiança contra a política e a própria ciência. Não há como simplesmente acusar Asimov de ser um reducionista positivista.
De qualquer forma, vamos ver se o seriado de TV conseguirá se aprofundar um pouco mais no pensamento do autor. Ou se Foundation entrará para a história do entretenimento apenas como um concorrente tardio de Star Wars e dos filmes da Marvel (que foram inspirados pelo próprio Asimov).
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