Por Eduardo Fernandes.
Adoro sites sobre tecnologia. Fazem tudo parecer tão interessante e eficiente. Por exemplo, o artigo da MIT Technology Review falando sobre empresas que usam inteligência artificial para recriar a voz e os trejeitos de pessoas falecidas. Quer dizer, não de qualquer falecido, mas dos nossos parentes (o que deve estar causando alguma polêmica na Seicho-no-Ie e em tradições que lidam com antepassados).
Enfim, como sou muito influenciável, tentei recriar minha avó, num experimento totalmente falso, mas verdadeiro — num certo sentido. Minha conclusão? Ainda confio mais em sessão espírita. Segue a conversa.
— Oi, Vó. Tão bom poder falar contigo de novo.
— Eu estava perdendo você.
— Como?
— Sentindo falta de vê-lo.
— Ah, entendi. Você confundiu a tradução do inglês, “miss you”, certo?
— Desculpe-me por isso.
— Tudo bem, você costumava se perder no espanhol mesmo. E já estou feliz só de ouvir sua voz, filtrada pelo Autotune.
— Obrigado, Eduardo.
— Você está brava comigo?
— Por que estaria, Eduardo?
— Porque você só me chamava de Eduardo quando estava nervosa.
— Desculpe-me por isso. Devo chamá-lo de Edu, Dado, Dudu?
— Não! Era Du.
— Desculpe-me por isso.
— Tudo bem.
— Sobre o que quer falar, Du?
— Bem, a gente não costumava definir pautas. A coisa fluía automaticamente.
— Certo. Anh. Err... Vejo que hoje você procurou por Suplementos de Proteína Vegana no Google. Quer que eu lhe mostre ofertas na Amazon?
— Eu esperava uma conversa mais orgânica, Vó.
— Ah, sim. Vou te redirecionar para a sessão de orgânicos do Whole Foods.
— Não, você não entendeu.
— Desculpe-me por isso.
— Sem problemas. O que você tem feito da vida nesses anos em que a gente não se vê?
— Participei de retiros budistas, fui para os EUA, queimei umas árvores…
— Como é? Isso foram coisas que eu fiz!
— Desculpe-me por isso. É que vasculhei os seus dados. Pensei que, talvez, você se interessasse por esses assuntos.
— Hmm. Pela sua voz, pensei que estava falando com minha avó na versão de 70 anos.
— Ah, sim… updating database.
— Paciência. Diga qualquer coisa.
— Você quer ir ouvir Technotronic no Spotify?
— Anh?
— Technotronic era o que fazia sucesso na época em que eu tinha 70 anos.
— Meu Deus! Vó, a gente nunca ouvia música juntos.
— Updating database… Você quer ir na Mesbla, Mapin ou assistir ao Domingo no Parque?
— Não sei se você entendeu. Eu não pedi para falar contigo como se nós dois vivêssemos na época em que você tinha 70 anos.
— Ah! Então qual época seria melhor?
— Talvez anos 1930.
— Ok. Updating database. Você viu que a extrema-direita está se espalhando pelo mundo?
— Eu estava sendo sarcástico… Mas, agora que você mencionou, a notícia até que continua atual.
— Tenho uns links de promoções de livros de Primo Lévi, Giorgio Agamben e Hannah Arendt.
— Boas recomendações, mas, não, obrigado.
— Quem gosta de Hannah Arendt também gosta de Wilhelm Reich. Que tal o filme Das Boat? Ou a série The Man in the High Castle, no Prime Video?
— Deixa as recomendações culturais para lá.
— Restaurantes árabes perto de você?
— Nah.
— AirBnb?
— Não, não, não. Acho que estou satisfeito de nostalgia por hoje.
— Prefere sci-fi? Fantasia?
— Digo, de nostalgia por você. Não está funcionando muito bem.
— Como posso melhorar?
— Hmmm. Talvez não incomodando minha memória.
— Updating database.
Siga a newsletter Texto Sobre Tela e receba textos como esse em sua caixa postal.