Por Eduardo Fernandes.
Acompanhei a conversa entre Vanessa Guedes e Lalai Person sobre ser um brasileiro vivendo em outro país. Como também moro há uns quatro meses na Califórnia, resolvi palpitar sobre o assunto. Tudo começa numa história sobre meu sobrevivente, obstinado, impávido, colosso iPhone 8.
Uma conhecida minha daqui, cerca de 60 anos, me perguntava como gravo meus vlogs. Respondi: com meu iPhone de botão. Com a maior inocência do planeta, ela continuou: “Interessante! Por quê? Tem algo específico nessa versão de que você gosta?”
Aparentemente, nem sequer lhe passou pela cabeça o real motivo de manter o aparelho: não tenho dinheiro pra comprar outro. (Aliás, estou aceitando doações, se você quiser se livrar do seu iPhone mais novo que o meu). Minha interlocutora deve ter achado que eu era algum tipo de colecionador, arqueólogo, ou um apreciador de tecnologias vintage.
Imagine a cara de espanto da mulher quando lhe contei que NUNCA comprei um smartphone. Na minha vida inteira. Quer dizer, paguei, do meu bolso, apenas por um Nokia N95, quando os dinossauros andavam entre nós. De resto, sempre herdei celulares alheios (ou, pra soar mais chique, fiz retrofit neles).
O iPhone 8, por exemplo, veio do espólio do pai de um amigo. O falecido não deixou as senhas no testamento. Pior: usava o Find My Phone, que complica a transferência de donos. O celular era um tijolo de luxo até chegar às minhas mãos.
Após semanas tentando, sem sucesso, convencer a Apple a desbloquear o aparelho (mostrei até o atestado de óbito), resolvi me virar. Como diria o velho AC/DC, olhei pro céu e… Jailbreak. Tudo em nome da liberdade.
A interlocutora me achou um rapaz bizarrinho e divertido. E me contentei em entretê-la por alguns minutos.
Fato é que essa rápida interação, tão trivial, mostra a distância de uns três universos e duas palafitas entre as cognições deste brasileiro e daquela norte-americana. Porque, se pra ela era espantoso eu ter um iPhone velho, pra mim era ainda mais estranho ela perguntar o motivo.
Um século inteiro de imperialismo cultural e econômico, pintado numa só pincelada. Tipo Jackson Pollock: respingos pra todos os lados, camadas e camadas de tinta.
A interlocutora, na sua inocência. Eu, no meu sarcasmo. Não havia hostilidade e nem maldade em ambos os lados. Porém, havia hábitos. Tatuagens espirituais que recebemos desde criança dessa coisa concreta / abstrata e arbitrária chamada país.
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