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O comércio da intimidade

Por Eduardo Fernandes.

Em maio, o New York Times publicou uma interessante reportagem sobre os bastidores do OnlyFans. Como você deve saber, o site é um dos maiores expoentes do comércio digital de intimidade.

Celebridades e influenciadores da plataforma não vendem apenas fotos sensuais, mas também atendem a pedidos, respondem perguntas e interagem pessoalmente.

Quer dizer, em tese. O texto do NYT mostra que existe um exército de freelancers, que trabalham para manter essa ilusão de intimidade. Eles são conhecidos como chatters, “conversadores”.

Em outras palavras, quando alguém paga para trocar mensagens sacanas com aquela modelo polonesa, loira, jovem, com cara de elfo, pode ser que esteja, na verdade, conversando com um macho indiano ou filipino, vivendo numa favela, que está trabalhando na madrugada porque não conseguiu emprego melhor.

Como se diz hoje na Internet, tudo é storytelling.

No OnlyFans, existe uma espécie de cartilha, que ensina os chatters a manterem a coerência do personagem. Afinal, de modo geral, uma garota de 18 anos não escreve como uma mulher de 40. O chatter é uma mistura de escritor fantasma com ator. Não pode se comportar como um chatbot.

Assim, como muitos outros criadores de conteúdo, o chatter precisa saber como manter o engajamento do seu público. Que, aliás, pode ser bem diverso. Um chatter pode escrever para diversos personagens. E uma mesma celebridade pode ter uma linha de produção de vários chatters se revezando em turnos ao longo do dia.

Como muitos profissionais do sexo não cansam de declarar, boa parte dos seus clientes só quer mesmo um simulacro de intimidade. Ou seja, sentir que têm alguém para conversar, para elogiar seus atributos físicos ou sua personalidade.

Ninguém aqui está sendo exatamente enganado. Para algumas pessoas, é mais fácil, mais rápido e prático conseguir pagar por intimidade. Mesmo que ela seja um tanto falsa. O importante é não ter que lidar com os rebotes, com as consequências e as dificuldades da intimidade “gratuita”.

É claro que o comércio de simulacro de intimidade não existe apenas no OnlyFans ou na prostituição. Pelo contrário, ela está muito bem espalhada na sociedade. Por exemplo, eu costumava comprar tortas num restaurante, cujos atendentes sempre me recebiam assim: “oi, Edu! Tudo certo, Edu?” Depois, era comum encontrar a mesma pessoa na rua e ela sequer olhar na minha cara.

De novo, como se diz por aí, tudo é storytelling.

O grande problema aqui é que, após nos acostumarmos a usar o dinheiro para comprar intimidade, nós ficamos cada vez mais preguiçosos. Nos habituamos com a rapidez e suposta eficácia de controlar os outros com dinheiro. E aí, ele vira uma espécie de ferramenta de comunicação, você perde até a noção de que está tentando comprar os outros, comprar tudo.

O dinheiro vira uma muleta. Você não desenvolve, ou não refina a capacidade de convivência. Perde a tolerância à “ineficácia” dos métodos não financeiros. As parecem cada vez mais irracionais, loucas, exigem demais, fazem coisas sem um objetivo claro. Então, você tenta encontrar mais e mais oportunidades para “resolver o problema”, para domar tudo à sua volta.

Aos poucos, você se torna uma espécie de sugar daddy universal, sugar king, sugar god. Você paga por intimidade, por prazer, por admiração, por autoestima, por amizade, por coerência, por sabedoria, por saúde mental. Onde quer que haja um desconforto, você quer eliminá-lo, usando dinheiro. E, assim, perde a criatividade e o jogo de cintura.

Ainda assim, é como chegar ao final de um videogame usando dicas na Internet. Você se sente tão esperto quanto vigarista. Tão poderoso quanto fraudulento. E aí você corre para o próximo anestésico.


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