Por Eduardo Fernandes.
O músico, produtor e youtuber, Rick Beato, publicou um desses vídeos de “previsão” irresistíveis. Parte do fato de que a IA já consegue produzir música de qualidade e até falsificar o trabalho de músicos.
Beato acha que a indústria da música vai se fragmentar ainda mais:
- Por que as gravadoras pagariam artistas para criar músicas, se podem fabricá-las digitalmente?
- Por que o Spotify dividiria lucro com gravadoras? Cada plataforma criaria seu próprio conteúdo, com os recursos (humanos e digitais) que tiver à mão.
- Por que as pessoas prefeririam ouvir Beatles orgânico se existissem versões IA decentemente compatíveis?
- Acrescento: talvez seja possível criar versões customizadas dos seus artistas favoritos. “Quero mais músicas parecidas com o começo de carreira dos Beatles. Mas cantadas em português”. “Quero meus Beatles com Jimmy Hendrix na guitarra”. E por aí vai.
É claro que sempre haverá algum espaço para quem prefere artistas vintage ou ter a experiência de um show ao vivo. Mas a estrutura para manter esse tipo de atividade tente a ser mais cara.
Além do que, cada vez mais, consumimos o artista e não a obra. Queremos nos relacionar diretamente com a pessoa, ver suas fotos, ouvir suas histórias, queremos atenção. O que também pode ser reproduzido pela IA, claro. Mas, imagino, com menor autenticidade.
De qualquer forma, o mercado parece apontar para uma divisão básica: quem prioriza strorytelling, segue com os artistas vintage. Quem prefere música casualmente, tende a migrar para IA (ou nem se preocupar em quem produziu o conteúdo).
Cultura pós-humana #
À medida que IA se popularizar, haverá uma explosão ainda maior de produção de conteúdo. Humanos não darão conta disso. As próprias máquinas precisarão intervir. Seja fazendo curadoria (algoritmos) ou consumindo o material por si mesmas (SEO, resumos do ChatGPT, etc.).
Resta saber se o entretenimento perderá parte do seu valor comercial. Se a produção e o consumo se tornarão tão fragmentados e abundantes que seria impossível extrair lucro massivo disso. Um pouco como aconteceu com a Netflix: com o aumento de serviços concorrentes e dispersão de assinantes, os investidores exigiram cortes de custos e menor diversidade no catálogo.
Porém, é bom lembrar que a História mostra que alguma forma de mainstream sempre sobrevive. O paradigma do consumo de massas ainda está longe de ser superado. Surgem novos monopólios, que incorporam os produtores menores.
É um ciclo contínuo: monopólios crescem, inflam, ficam insustentáveis economicamente, geram fragmentação e concorrência. Surgem novos undergrounds, que são incorporados novamente. Repete-se o ciclo.
Assim, talvez surjam mercados de nicho, como na moda: se você prefere comprar uma camiseta barata, de qualidade questionável, feita num país que ignora trabalho escravo, haverá uma grande rede, estilo Wallmart, para vendê-la. Se você quer um produto premium, atrelado a uma ideologia, pagará mais caro.
O que também leva ao surgimento de alguma espécie de falsificação ideológica, humanwashing.
Entretenimento hipnótico #
Confesso que uma tendência me espanta ainda mais do que a IA: o entretenimento hipnótico.
- Os vídeos sludge (basicamente, mãos interagindo continuamente com melecas).
- Gravações de movimentos repetitivos em cenários de videogames.
- Podcasts com ruído branco, sem vozes.
- Vídeos como os de Sbmowing, que apenas mostram uma pessoa limpando o jardim.
Ou seja: concorrendo com a IA, há um tipo de entretenimento que lida (ainda mais diretamente) com gatilhos de compulsão: a pessoa pode passar horas olhando para vídeos como esses.
Note que, aqui, nem é necessário entrar no terreno pantanoso e controverso da arte. É pura mídia. Movimento e narrativa, na sua célula mais fundamental: coisas acontecendo sequencialmente. Qualquer coisa.
Acho que dá para termos uma ideia do tamanho do quebra-cabeça que a indústria do entretenimento terá que montar. Como controlar o onipresente, todo-poderoso e expansivo entretenimento?
Talvez esse seja o mais próximo que conseguimos chegar de fabricar um novo deus.
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