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O espírito do rádio

Por Eduardo Fernandes.

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Não sei porquê, mas, nas últimas semanas, estou ainda mais fã da WFMU, uma minúscula rádio pública de Nova Jersey, EUA. Dá pra acessa-la via site ou aplicativos como o Tune In.

Honestamente, é a típica emissora pra quarentões. Enfim… gente como eu. Colecionadores de vinil, quadrinhos underground, fãs de filmes B ou indies europeus e que cresceu cultuando algum tipo de contracultura. Pessoas que têm alguma nostalgia do começo da internet – e até do ethos do Geocities.

A programação passa por raridades do rock e funk dos anos 70, colagens e improvisações psicodélicas em áudio, até programas sobre tecnologia. Parte do material também está disponível como podcast.

Mais do que a programação em si, o "ambiente cultural" da WFMU atinge o cerne da minha formação intelectual: essa vontade de descobrir algo diferente, que seja meio de nicho e experimental. O amor pelo vira-latismo.

De certa forma, essa é uma base perigosamente parecida com aquela que pode levar uma pessoa a acreditar em coisas horripilantes, como as conspirações de extrema direita da QAnon.

Por sorte, no rádio, meus "professores" de contracultura foram Kid Vinil, Fábio Massari, Walcir Chalas, Rádio Brasil 2000 FM, Vitão Bonesso, entre outros. E não fascistas e praticantes de fake news.

Em especial, fui salvo pela ignorância. Como, na adolescência, não sabia falar inglês direito, passei batido por inúmeras mensagens racistas, machistas e polêmicas do rock e da chamada cultura pop da época.

Ou simplesmente não percebi as complexidades que também envolviam movimentos que eu respeitava e respeito, como o straight edge, open source, Linux, veganismo, nouvelle vague, anarquismo, entre outros.

E aí acontece um fenômeno estranho: ao longo dos anos, quanto mais informação você tem sobre nichos culturais, mais difícil fica aceita-los cegamente. Porém, aquele desejo de estar envolvido em algo "fora da curva" persiste.

Isso passa a ser quase que uma necessidade de fundo. Não sei bem como explica-lo. É como se fosse uma fome, uma ansiedade e descontentamento bem sutis. Algo que está ali, por baixo dos panos, permeando sua visão de mundo.

E aí eu ouço a WFMU e acho que todos os meus trabalhos são "coxinha demais", que ainda estou jogando nas regras da busca pela popularidade. Assisto a um filme tipo "Swallow" e sua estética me incomoda, ouço um refrão de algum pop contemporâneo e não consigo me conectar.

Será que, afinal, esse é o legado da minha geração pra ela mesma? A nostalgia de estar envolvido (ingenuamente) numa intensa celebração contracultural?

Porque, veja bem, a cultura parece estar mudando radicalmente e de um jeito muito acelerado. Extremos nunca foram tão extremos. Estilos de vida alternativos parecem até mais possíveis do que nos anos 70.

Só o romantismo da nostalgia da contracultura é que não envelhece bem. E, talvez, isso seja uma boa notícia. Talvez leve a menos demagogia e erros estratégicos.

De qualquer forma, mesmo poder ouvir algo como a WFMU on-line, seria algo impensável pro Eduf dos anos 80. Eu já ficava bem feliz com o Studio Tan, Rock Report, Cinemateca Brasileira, Boca Livre, TV Mix 3, TV da Tribo, entre outros. Imagine com o TuneIn.

Enfim, não tenho uma conclusão hoje. Só queria compartilhar essas múltiplas sensações com vocês. Tudo ao mesmo tempo: otimismo e pessimismo, algum descontentamento com meu próprio coxinhismo e uma celebração de que ainda há muitas coisas interessantes por aí. Mas todas cheias de limites e dificuldades, como toda as atividades samsáricas.

Normal.


Por falar nisso, preciso fazer uma pausa nas minhas atividades na internet. Estarei envolvido num mega-evento aqui onde moro, que consumirá todo meu tempo. A newsletter deve voltar em 02/12. Se vocês acham que vale a pena continuar me acompanhando, nos vemos em dezembro. Até lá.


Ouvindo #

Rush, é claro. King Gizzard And The Lizard Wizard. Discoteca Básica, podcast do Ricardo Alexandre. 2 Minutes to Late Night e convidados tocando Fleetwood Mac. Podcast Future Perfect, da Vox Media, sobre a revolução que está acontecendo no mercado de alimentação.


Podcast #

No último episódio desta temporada: Warp Zone, aplicativo no qual você pode manipular pessoas. Abertamente e sem dramas morais. Ouça aqui.


É isso por hoje. Obrigado por ler.

Abraço,

Eduf


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