Por Eduardo Fernandes.
Semana passada, brinquei que iria lançar um aplicativo, o Kancelatr. Nele, citei o recente cancelamento do escultor norte-americano, Tom Sachs. Eu estava interessado no assunto por dois motivos:
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Sou fã da estética de Sachs. É algo que mistura tosquismo, anticonsumismo, DIY e um humor que, ao mesmo tempo, glorifica e sacaneia a ética de organização e trabalho duro da classe-média dos EUA (e de São Paulo, por extensão).
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Após extensa pesquisa, há cerca de um mês, comprei um par de Nike General Purpose Shoe, desenvolvido em parceria com Sachs. Obviamente, caí na operação de marketing da empresa para fisgar gente como eu, genXer, que gravitou pela cena hardcore dos anos 90.
Retomo o assunto porque, logo após a Nike anunciar o fim da parceria com o escultor, os preços dos tênis triplicaram. Por sorte, não cheguei a usá-los. Então, se passarem dos U$ 500, vou revendê-los no eBay, claro.
Esse é mais um exemplo do poder da history telling. Nike e Sacks capturam tiozinhos DIY como eu, que procuram durabilidade e estética menos industrial, mas não podem pagar por um produto realmente artesanal. A seguir, o cancelamento de Sachs fisga o discurso woke, identitário e anti exploração do trabalho. E tudo se converte em mais dinheiro circulando.
Mas meu real assunto aqui é outro.
A geração X tinha um humor bastante ácido e violento. Pense em Angeli, nos filmes de Richard Linklater, nos quadrinhos underground dos anos 90, no Liquid Television (MTV), no rock alternativo, no grunge, em Mike Patton mijando na plateia, etc. Esse ethos limítrofe era um desenvolvimento ainda mais radical das piadas autodepreciativas do punk e do hardcore.
Hoje, é um discurso condenado. O que também serve como history telling para gerar mais consumo. Ou engajamento em redes sociais, claro. É a história dando o troco: no final dos anos 70, o punk também cancelava os hippies e a disco music.
A diferença é que, em 2023, não existe mais a sensação de coerência cultural, de timeline: há diversos nichos simultâneos, cultuando e odiando uns aos outros. O clima está mais para guerra civil do que para guerra fria.
Mas ainda absorvemos alguns certos aspectos das cenas antigas e ignoramos outros. Como, por exemplo, a genZ, retomou o rock alternativo dos 90 e o metal shoegaze, usando outros filtros e outras tecnologias.
Ainda assim, parece claro que a cultura indie dos anos 90 está num momento de particular destaque: tanto gerando apego, quanto aversão.
Naquela época, um sujeito como Sachs — que resolve trabalhar seminu num ambiente de carpintaria e chamar um porão de “sala do estupro” — seria considerado engraçadinho e artsy. Hoje, deus me livre.
Porém, o “DIY industrializado” continua firme e forte: parece mal-feito, simula despreocupação e espontaneidade. Mas, na verdade, os produtos são mesmo DBA, Done By Asians, feitos por asiáticos. Enquanto debatemos ética aqui, eles costuram e empacotam nosso cotidiano.
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