Por Eduardo Fernandes.
Cena de Andor, série do universo de Star Wars.
Já faz algum tempo que venho desenvolvendo uma certa má-vontade com a cultura nerd.
Joguei pouquíssimos games. Nunca fui fã de super-heróis. Até costumava gostar de sci-fi realmente mindfuck. Mas não consigo mais me conectar com conteúdo pop. Não é totalmente preconceito. Meio que desencanei dele. Talvez pela onipresença do gênero.
Por isso, estranhei quando um amigo próximo me recomendou ver Andor. É uma série de 2022, derivada de Star Wars. Eu tinha certeza de que desistiria logo no primeiro episódio. Mas continuei.
Não exatamente pela história, mas pelo figurino e design em geral. Boquiaberto com o detalhismo das roupas e da arquitetura, aos poucos, meu tempo foi vazando pra série.
Como era de se esperar, Andor é mais um Conteúdo Gerador de Cortisol (CGC), com mistério, perseguições, medo, etc. O objetivo é sentir o quão pesado, paranoico e sufocante é viver sob um Império. Ou melhor, sob uma ditadura militar.
E é por isso que resolvi comentar a série aqui.
É que, no geral, Star Wars tem uma visão muito limitada do que pode ser um Império. A tese principal de Andor é que, quando a repressão é muito forte, onipresente e claustrofóbica, ela produz rebelião.
Dá pra dizer que essa é uma visão Imperialista do império. Quer dizer, baseada na propaganda que os EUA faziam a respeito da URSS. Um discurso que insiste sobreviver, usado pra mobilizar várias outras ideologias.
É uma visão estrategicamente maniqueísta. Mas o século 20 nos mostrou que imperialismo também se exerce pela diversão e pela conveniência.
E esse é um dos debates mais velhos das ciências políticas: as pessoas podem amar ditaduras, podem desejar sistemas que lhe pareçam seguros, motivacionais e… divertidos. Pão e circo.
Do ponto de vista do design, Andor é impecável. Já, do ideológico, precisaria de um upgrade. Mas, enfim, é pra isso que temos os filmes baseados nos textos de Philip K. Dick.
Imagine um lado negro da força que, em vez de ser truculento e gótico, oferecesse a papinha cognitiva que recebemos hoje em dia: vício e diversão constante. Ou cansaço vindo da gameficação contínua. Ou altruísmo eficaz, solucionismo tecnológico, comida processada, conteúdo processado, midialização da vida.
Na opressão de Andor, a “rebelião” parece ameaçadora, arriscada. No nosso cotidiano, parece impensável, porque é inconveniente. Mesmo abandonar um Twitter ou Google já soa trabalhoso demais.
Assim, não precisamos de stormtroopers. Temos o vício e a crença de que deveríamos obter tudo sem muito esforço. Quem sequer desejaria buscar alternativas?
Em especial na área de tecnologia, temos uma incoerência muito grande entre as promessas, os hypes, e aquilo que se obtém no dia-a-dia.
ChatGPT, por exemplo. É vendido como uma inteligência revolucionária e ameaçadora. Na prática, ainda mal consegue converter um arquivo de xml pra Markdown. E pede desculpas o tempo inteiro. Fosse um estagiário humano, seria considerado folclórico: meio prolixo e enrolador, mas com certo potencial.
Ainda assim, esse desejo de um mundo eficaz, tecnológico, puro e livre de tédio, é uma força controladora ainda maior do que os chãos elétricos das prisões na série Andor.
Nela, a tecnologia aparece como uma promessa de repressão. No nosso cotidiano, como uma promessa de prazer e proteção. Em vez do medo de fugir do cárcere, nosso medo é de ser excluído do paraíso.
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