Por Eduardo Fernandes.
O metaverso da Microsoft é um desbunde.
É muito difícil contar a história da tecnologia. Sempre somos obrigados a lidar com vestígios, versões desencontradas e documentos duvidosos.
Em geral, as ferramentas surgem de modo não linear, obscuro e confuso. Aparecem simultaneamente em diversos lugares, aparentemente, sem conexões entre si. Os criadores procuram por uma coisa, esbarram em outra e nem sempre entendem as consequências do que surge.
É por isso que uma das áreas mais interessantes da antropologia é o estudo dos mitos de origem. Eles ajudam a definir um sentido social e político para as gêneses: “a ferramenta foi criada para, é perigoso devido a, decepcionou ou superou as expectativas de”, etc.
E onde eu quero chegar? No mito de origem que está surgindo para impulsionar o chamado Metaverso.
A Metamorfose #
O Metaverso está cada vez mais em moda. Até mesmo o Facebook mudou de nome para Meta, dizendo que agora esse é o foco da companhia: acelerar nossa entrada no Metaverso — em especial os usuários mais jovens. A Microsoft acabou de anunciar que está na cola, correndo com seus meio-avatares.
Em boa parte dos sites que cobrem tecnologia, você observará a construção desse novo mito. Certas empresas tentam nos convencer de que estamos, definitivamente, migrando para a Web 3.0, baseada na realidade virtual 3D, nas criptomoedas e em tecnologias como o Blockchain.
Porém, o Metaverso é um desenvolvimento bem específico de tecnologias anteriores até à popularização da Internet. Específico porque vem financiado pelo capital financeiro. Então, aqui não se trata só de um mito de origem: é puro marketing, construção de consenso, indução de uma necessidade. Para atender a certas agendas, claro.
Note a diferença com o (também impreciso) mito de criação da Internet Clássica. Ela teria sido baseada no desejo de compartilhar conhecimento acadêmico, teria surgido comportamentalmente libertária e ingênua em termos comerciais.
A Web 3.0 já nasce com modelo de negócios. Na verdade, nem sabemos exatamente o que fazer nos ambientes virtuais, mas já partimos da motivação de fazer dinheiro ali. Assim, aparentemente, serão aplicadas lógicas bem-sucedidas do turismo, do entretenimento cultural, a venda de objetos virtuais e a curadoria. Turbinadas pelo ritmo geekxploitation, estilo NFTs.
Até mesmo o criador dos termos avatar e metaverso, o escritor de ficção científica, Neal Stephenson, já trabalhou na Blue Origin, antes da empresa de Jeff Bezos se focar nas viagens espaciais. Ou seja: a Big Tech tenta se colocar como a estrutura da nova fase da Web.
Vale prestar atenção nesse novo mito de origem do Metaverso, antes de aceitar certas narrativas como verdadeiras. O Metaverso é o novo? É excitante? É o futuro? Preciso estar preparado? Vamos todos fugir das redes sociais para lá? É uma tecnologia que nasce de demandas sociais ou um desenvolvimento mais radical dos interesses e das mecânicas por trás da Web 2.0?
Será preciso mesmo continuar a acreditar nesse discurso do progresso, de que tudo o que é (supostamente) novo é melhor? Se você leu o próprio marco-zero do termo metaverso, o livro Snow Crash, já sabe que passar horas num mundo virtual está longe de ser algo simples. Vamos com calma.
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