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O que eu faço quando me sinto impostor

O que eu faço quando me sinto impostor

Por Eduardo Fernandes.

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Quando me sinto um impostor, uso a seguinte técnica:

Em vez de ruminar sobre a frustração, investigo a expectativa.

Por exemplo, digamos que você esteja numa crise de “quero ser artista, mas não consigo”. Você pode se perguntar:

  1. O que acho que é ser um artista?
  2. De onde vem essa definição?
  3. Cite 3 ou 4 exemplos de artistas que se encaixam nela.
  4. Como foram as vidas dessas pessoas (não como artistas, mas como pessoas, vivendo experiências cotidianas)?

Ao responder essas questões, provavelmente, a frustração vai se dissolver. Você vai perceber o quão imprecisas são suas expectativas.

Continuando no exemplo:

  1. Ser artista significa ter uma carreira?

    1. E como é essa carreira?
    2. Como seria o seu dia-a-dia? Descreva com detalhes.
  2. Quando nasceu a ideia de que um artista deveria ter uma carreira?

    1. Em que contexto?
    2. Como era “a carreira de um artista” na Grécia? E na Ásia? E na Europa, há apenas 10 anos?
  3. Os artistas que você investigou tiveram uma vida que você gostaria de ter?

  4. A maioria dos artistas que admiro teve vidas muito piores do que a minha.

    1. De passar fome a viver doente.
    2. Alguns deles foram presos, mortos, se suicidaram, viraram junkies, etc.
    3. Ok. Muitos são admirados. Mas por nichos e, geralmente, de uma forma (ou por motivos) que os deixariam irritados.

E onde quero chegar com isso?

No seguinte: por um lado, nossas expectativas são vagas, baseadas em falta de informação e inocência.

Por outro, são muito precisas: muitos de nós queremos conveniência sem trabalho. Queremos fazer o que nos der na telha, sem frustrações ou estresse. Ainda ser pagos e admirados por isso.

Compreensível. Mas não muito realista. Inclusive pras próprias celebridades, pros dropoutsself-made men e “gênios”, que, em geral, sofrem muito mais do que imaginamos.

Fora que suas narrativas são contadas pela mídia de um jeito extremamente incorreto e enviesado.

Inocência fundamental #

Não enxergamos essa inocência fundamental, de querer almoço grátis, útero materno e conveniência universal. Ela está nublada por todo tipo de auto justificação e ginástica intelectual.

A culpa é do outro #

Uma das principais é o hábito de culpar “o outro”. Do capitalismo até “o impostor”. Definir um Impostor é um jeito de olhar pra si mesmo como se fosse um outro.

Mas, ainda que haja influência “externa”, é você que se acusa, que se aprisiona numa identidade. Você cria um personagem pra odiar e pra superar.

Por que a vida não é do meu jeito? #

É um triste narcisismo da nossa espécie: eu nasci, então o mundo deveria estar ao meu favor, deveria funcionar do meu jeito.

Suspeito que a vida seja muito mais flexível. De vez em quando, ela parece sincronizar com as nossas narrativas, noutras está nem aí. Se você investigar de perto (e historicamente), nenhuma das duas versões estará muito correta.

Somos nós, criando histórias ao longo do caminho.

De que artista estamos falando? #

Quando nos frustramos por “não conseguir ser artista”, estamos pensando a partir de uma época muito específica, muito curta e descrita vagamente: uns 20 ou 30 anos da Cultura de Massas Norte Americana. Hollywood.

Pensando bem, nem isso.

Basta investigar a vida dos artistas por trás de boa parte do entretenimento do século 20. Você vai encontrar pouquíssimas celebridades e muito trabalho em equipe. Muito acaso. Muita reviravolta.

Nos frustramos porque nos comparamos a artistas que achamos que vimos em alguns filmes. Ou histórias de “grandes autores” descritos vagamente pela mídia, que sempre dependeu de personagens bombásticos e histórias sensacionalistas pra aumentar engajamento.

Olhando de perto, todas essas histórias se dissolvem.

Não sei do que estou falando! #

Quase todas as nossas frustrações vêm de expectativas muito surreais e mal informadas. Elas se alimentam da ignorância. Ou seja: do nosso hábito de vê-las como um fenômeno único, monolítico e acabado.

Quando investigamos nossas expectativas, percebemos que elas são:

A prisão da identidade #

Ou seja: “artismo” também é identitarismo. Define e norteia. Mas também limita. Assim, ninguém precisa ser “artista”. Todos precisamos de arte(s). E de diversas formas – às vezes, até ao longo de um mesmo dia.

Arte pode ser uma atitude. Um estilo de vida, sem a necessidade de receber qualquer confirmação externa, como admiração ou uma carreira.

E carreira artística não precisa ser como as que foram descritas vagamente por parte da mídia do Século 20.

Há inúmeros jeitos de viver de arte e viver “artisticamente”. Arte pode contaminar qualquer atividade. E virar a(r)tividade.