Por Eduardo Fernandes.
Cadeira de praia no espaço.
Aparentemente, boa parte da galáxia já assistiu ao novo Duna. Que bom, assim eu não preciso entrar em detalhes sobre toda a obsessiva jornada cultural do livro de Frank Herbert no Ocidente.
Haja débito cármico: desde seu lançamento, em 1965, essa história vem gastando dinheiro e massa encefálica de muita gente por aí, de David Lynch a Alejandro Jodorowsky, sem falar em executivos, críticos, fãs, etc. Será que, agora, finalmente exorcizaremos esse espírito obsessor?
Bom demais #
Claro, a adaptação de Denis Villeneuve é tudo aquilo que, atualmente, se espera de um filme desse tipo: épico e super bem produzido. Mas, num certo momento, você não sabe se está assistindo a Game of Thrones, Foundation, Star Wars ou a qualquer outro. Às vezes, até os atores são os mesmos.
Como diria Byung-Chul Han, talvez isso seja resultado da Sociedade do Cansaço. Ou (alguns de nós, privilegiados) estão simplesmente empanturrados de tanto escapismo.
De qualquer forma, é certo que Duna reforça uma certa fadiga de obras de sci-fi grandiosas. Não é culpa do livro. Nem do diretor. A culpa é do excesso de oferta.
Punk versus progressivo #
Por um lado, esse cenário lembra um pouco o mito da luta entre punk e rock progressivo, que a imprensa cultural espalhou nos anos 1980: quando o virtuosismo técnico e a complexidade imperavam, surgiu a necessidade de cultuar a simplicidade, o improviso, a precariedade e o “faça por si mesmo”.
Por outro lado, a Internet está cheia de amadorismo, circulando numa velocidade incrível — o que também cansa.
Essa é uma encruzilhada cultural, criada pela velocidade de produção e consumo de informação.
O filme de Villeneuve deve ser bom. Mas não deu tempo de perceber. Eram muitas emoções surgindo sucessivamente.
É preciso ser diligente para quebrar a compulsão pela próxima sensação grandiosa. É preciso ter disciplina para aceitar pausar, rever, reler e repensar. Hoje em dia, é como tentar ver a paisagem enquanto se nada contra a correnteza. Difícil, mas possível.
Lixeiros das galáxias #
De qualquer forma, quem seriam os Ramones da ficção científica? Ora, se você me conhece há algum tempo, talvez já saiba a resposta: Dark Star - A Spaced Out Odissey, de 1974, dirigido por ninguém menos do que John Carpenter. É o meu filme de sci-fi favorito. O melhor? Certamente, não. Nem precisa ser.
Trata-se da história de quatro hippies barbudões, lixeiros do espaço, que convivem há 3 anos, numa nave. Se você sofreu no isolamento da pandemia, imagine essa situação. Para eles, o espaço é burocrático: um trabalho, não uma aventura tecnológica contra um império.
Até mesmo o computador de bordo é temperamental. Mais para Bartleby do que para Hal 9000. Em Dark Star, a máquina é pura lógica, pura empáfia discursiva: não basta puxar a tomada, é preciso debater, convencê-la a colaborar. Ela é tão eficiente que se torna uma ameaça à maluca, desorganizada e fedorenta tripulação humana. “Por favor, desarme essa bomba”. ”Prefiro não”.
John Carpenter anda focado na sua carreira de músico, fazendo trilhas sonoras para filmes de suspense. Faz falta. Se é para ser obcecado com Duna, imagine o que seria uma versão do livro dirigida por ele. Alguém teria um alien-bolha como animal de estimação?
Assista Dark Star, completo, no YouTube.
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