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Obsessões de estimação

Por Eduardo Fernandes.

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Eu aposto que você deve ter um conjunto bem claro de obsessões que definem sua vida. Não estou falando de coisas obscuras e inconscientes, como traumas de infância. Estou falando de coisas que você deve ter aprendido na adolescência, livros que você leu e cenas culturais de que participou.

Quase todas as minhas obsessões de estimação giram em torno de três letras: DIY. Ou melhor, em inglês, “di ai uai”, que é um acrônimo para "Do It Yourself", faça por si mesmo.

Essa prática se popularizou com o punk rock, a partir do final dos anos 1970. Mas é claro que não nasceu ali. DIY sempre existiu em sociedades não-industriais, dialogando com estruturas como castas, feudos, estamentos etc.

Na verdade, DIY é um termo bem impreciso, já que ninguém faz nada sozinho: sempre dependemos de colaborações com várias pessoas e várias partes da sociedade, inclusive com a organização corporativa. Posso fazer um fanzine, teoricamente contradizendo a mídia institucionalizada, mas vou depender do Correio (ou seja, do Estado), das máquinas de xerox (ou seja, das Corporações) e por aí vai.

Nós adoramos usar termos monolíticos, como “Faça Por Si mesmo”, ou “permissionless” (sem pedir permissão), mas sempre temos que nos engajar em múltiplas negociações, com diversos atores e contextos sociais. No fundo, tudo é política.

Ainda assim, a ideia de DIY, da cultura independente, de um underground correndo por fora de um mainstream, sempre direcionou e ainda norteia minhas atividades. Por mais que o assunto se dissolva toda vez que você começa a investigá-lo seriamente.

Até mesmo na minha prática budista me pego usando a mesma mentalidade, querendo estar num grupo mais isolado, supostamente mais íntegro e hermético. É que as obsessões de estimação contaminam as áreas mais inusitadas das nossas mentes.

Quer despertar minha atenção? É só contar histórias como as de Kim Deal, a baixista do Pixies, que recusou um acordo milionário com a Apple, após a empresa ter usado uma das suas músicas num comercial.

Ou ouvir sobre a trajetória do produtor Steve Albini (foto), que, ao ser convidado para produzir um disco do Nirvana, escreveu uma carta para a banda, dizendo que até aceitaria o trabalho, mas não queria receber direitos autorais.

O produtor norte-americano Steve Albini

Albini também cobraria mais ou menos o mesmo preço pago pelos seus clientes regulares. Ele estava preocupado que, se o então bombadíssimo Nirvana lhe pagasse uma fortuna, outros clientes deixariam de procurá-lo, pensando que agora ele só aceitaria os típicos honorários inflados das gravadoras mainstream.

Se essa ética de negócios já parecia alienígena nos anos 1990, imagine hoje, no mundo das startups unicórnio.

Como alguma empresa pode querer permanecer pequena? Como alguém pode preferir ganhar menos? Como alguém pode dizer: isso é o suficiente? Como alguém pode considerar ser mais rico quando gasta menos, em vez de tentar ganhar mais e acumular mais responsabilidades? Como alguém pode querer investir em ética, em planos de longo prazo, em comunidades saudáveis e sustentáveis? Como alguém pode desejar cancelar a Netflix para bancar 3 criadores independentes?

E isso é só a ponta do iceberg. Outros valores da cultura DIY que me obcecam até hoje:

Etc., etc., etc.

Ao que parece, onde quer que eu vá, o que quer que eu faça, essas ideias sempre estão me assombrando. Talvez seja um bom encosto para se ter. Vejamos.