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Onde eu perco mais tempo na vida

Onde eu perco mais tempo na vida

Por Eduardo Fernandes.

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The Persistence of Memory, quadro de Salvador Dali.

Pelo menos uma vez por semestre, tento pausar parte das minhas atividades pra fazer um Inventário de Gasto de Tempo (IGT). Basicamente é um exercício de se sentar e perguntar: onde, exatamente, gasto as minhas preciosas horas do dia?

De modo geral, o meu dia se parece com um barco cheio de buracos no casco. Pequenos vazamentos se acumulam invisivelmente. A madeira vai apodrecendo e tudo começa a ranger.

Instagram, YouTube e consumo de mídia são meus vazamentos mais frequentes. Esses vampiros sugam boas horas da minha semana. E não me devolvem muita qualidade. Meu grande problema é entrar no modo escrolador compulsivo.

Existe uma fração de segundo na qual você “decide” puxar o celular e se deixar sugar para aquele universo. Esse é o portal inicial, a boca do vórtex, onde deveria estar escrito:

Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate.

Ou melhor: “Abandonai toda esperança, vós que entrais”, como na Divina Comédia, de Dante Alighieri.

Provavelmente, encontramos vários portais semelhantes ao longo do dia. Não só os digitais.

É aquele momento de atenção que deixamos passar. Aquele vislumbre de autoconhecimento que ignoramos. O espaço entre a decisão e os diversos gatilhos disponíveis por toda a parte.

Se a pessoa não se torna um ninja em reconhecer e usar esse micro espaço de liberdade, rapidamente cai nos hábitos compulsivos.

Assim, tempo, energia e dinheiro acabam sendo sequestrados por empresas, por lógicas predatórias e pela cultura da normalização da falta de ética.

Quando ignoro os vazamentos no casco do barco, tenho que virar o “Mr. Produtivo”. Quer dizer, me forçar pra dar conta dos meus compromissos, pensar constantemente em desempenho, procurar aplicativos, etc. Estresso-me por estar estressado. Ocupo-me de estar ocupado. Entro no loop do combate à perda de tempo.

Então, decidi que o IGT tem que acontecer mais frequentemente. Tipo lavar banheiro. De modo geral, as pessoas não deixam pra fazê-lo a cada dois meses.

Ao ter uma visão realista de como gasta o tempo, pelo menos você sabe onde começar a mudar. E, então, pode ir quebrando hábitos negativos, dia após dia.

Duas coisas que me ajudam demais nos períodos de IGT: usar um time tracker, como o Rize ou ActivityWatch. São programas que detectam como usamos o tempo no computador. Os celulares têm esse tipo de funcionalidade no próprio sistema operacional.

Mas nem é preciso ser radical: basta anotar num papel os seus hábitos e rotinas. Perceber o que se repete. Entender os imprevistos. E, aos poucos, criar sistemas e espaços pra acomodar os fenômenos.

A ideia não é se prender a um planejamento rígido. Mas entender a rigidez escondida nos hábitos supostamente espontâneos. Ninguém quer evocar o Mr. Produtivo. Mas exorcizar os diversos micro encostos que estão sugando energia diariamente.

Enfim, o IGT é um exercício regular de psico-eco-tecno-conhecimento. Psico porque investiga a si mesmo. Eco porque tenta entender os estímulos e demandas que surgem do ambiente. Tecno porque pensa sobre nossas interações com sistemas, interfaces e fluxos de informação digital.

Claro, autoconhecimento é algo muito mais profundo do que isso. Mas é preciso começar de algum lugar. Ou, pelo menos, detectar o que está atrapalhando.