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Os diversos níveis de negacionismo

Por Eduardo Fernandes.

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"Abra os olhos, Morty!"

É. A coisa está feia nos EUA. Ondas de calor, problemas no fornecimento de energia, entre outras notícias alarmantes sobre o aquecimento global.

Tanto que já se fala sobre migração em massa para paraísos climáticos, regiões com melhores condições naturais para hospedar humanos na crise ambiental.

E como adaptar uma cidade para, de repente, receber milhares de desempregados e desapropriados? Foi mais ou menos o que a jornalista Amanda Shendruk, da Quartz, tentou imaginar. Ela descreve um local futurista, mas realista — se é que você me entende.

Entretanto, para variar, meu assunto aqui é outro. A ideia é falar sobre negacionismo. Ou melhor, negacionismos.

Antes, o ponto de mutação #

Há apenas alguns anos, alguns de nós ainda tentávamos dizer que o aquecimento global era uma besteira. Hoje, chegamos nas conversas acima.

Existe um ponto de mutação, quando não há mais como negar um problema. Assim como foi com a COVID-19 no começo de 2020. Boom: de repente, o mundo mudou. Choque ontológico.

Porém, ainda assim, é claro, os negacionistas continuam existindo. Por isso, é importante investigar os poderes destruidores de cada tipo de negacionismo.

Negacionismo otimista #

Comportamento: A pessoa vê que o problema cresce assustadoramente. Mas evita enxergá-lo, corre para escapismos. Confia que, de alguma forma, tudo será resolvido por alguém ou alguma força (Deus, Mercado, Políticos), sem ela precisar se mexer.

Motivação: Manter um estilo de vida e certas conveniências.

Exemplo: Crescimento econômico, redes sociais, consumo de carne e produtos derivados de animais.

Superpoder: Esse é um dos negacionismos mais poderosos, porque desperdiça tempo e energia. Quando o ponto de mutação chega, é tarde demais.

Negacionismo tático #

Comportamento: A pessoa enxerga a crise como uma oportunidade de exploração. Assim, finge que é negacionista. Promove a ignorância para poder agir na surdina.

Motivação: Ganho imediatista, baseado numa visão cínica e individualista. A pessoa não entende que seu bem-estar está ligado ao do resto da sociedade e ataca os outros.

Exemplo: Hmmm.

Superpoder: Ataques tópicos e bombásticos. Grandes golpes, prevaricações, fortunas que crescem rapidamente. Ainda assim, o impacto é menor que o do negacionismo otimista. É que as tramoias fazem muito barulho, então acabam vindo à tona e o sistema acaba, de alguma forma, “corrigido”, pelo menos superficialmente.

Negacionismo alucinatório #

Comportamento: A pessoa fica presa em loops discursivos, debates sobre detalhes e argumentações.

Motivação: Pode ser uma combinação dos negacionismos anteriores. Ou uma tentativa de escapismo, via exercícios intelectuais.

Exemplo: “O COVID é uma invenção do governo chinês para controlar… ". "Ah, mas vegetarianismo também causa problemas ambientais".

Superpoder: Gastar tempo e energia corrompendo debates realmente importantes. Até porque é essencial investigar crises de maneiras mais profundas e abstratas.

Bônus: aceitismos #

Se negacionismo é um problema, o “aceitismo” também pode ser. Mas, como o texto já está longo demais, insinuarei apenas o aceitismo hedonista: “tudo está perdido, então quero festa, abandonar todas minhas inibições”.

É mais ou menos como naquele episódio de Rick & Morty, em que o cientista resolve fazer uma turnê por planetas prestes a serem destruídos e se engajar em várias surubas intergaláticas.

Há tanto para ser debatido nessa atitude. Melhor voltar ao assunto no futuro. É que, basicamente, o aceitismo hedonista também é conservador. Precisa de uma grande crise, uma grande garantia, para cancelar amarras culturais.

E também tem um prazo de validade curto, porque perde a noção do “gerenciamento contínuo” dos prazeres e recursos. O que leva a crises, como a ambiental, a econômica e a cognitiva (da Internet de 2021). Portanto, ao loop aceitismo / negacionismo.

É o velho Paradoxo de Lobón, “é melhor viver 10 anos a mil ou mil anos a 10?” Essas são, realmente, as únicas alternativas? Será que, em vez de ter espasmos até ficar paralisado, é possível apenas… dançar?

Não perca o próximo episódio.