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Os robôs influenciadores

Por Eduardo Fernandes.

No começo, eram os idosos da comunidade. Os líderes religiosos. Os especialistas. Os jornalistas. As celebridades. Os influencers. E agora, os influenciadores movidos à Inteligência Artificial. Como, por exemplo, Miquela.

Miquela trabalha para a Samsung. É uma animação, desenvolvida via algoritmos e computação gráfica. Ela aparece no YouTube e tem um Instagram, no qual "publica" fotos do seu cotidiano comum: baladas com as amigas, pegar metrô com o namorado, etc.

De modo geral, o discurso é o de uma garota sensível, levemente disfuncional, muito interessada em criar uma comunidade, na qual as pessoas possam ser elas mesmas.

Isso te influencia? Miquela é uma influencer para você?

Obviamente, algumas pessoas vão se conectar com ela. Afinal, todos os movimentos de Miquela são friamente calculados para nos engajar naquilo que temos de mais humano. Nas questões e sensibilidades da nossa época.

Miquela é apenas um dos exemplos de influenciadores IA, que começaram a surgir nas redes sociais nos últimos 2 ou três anos. A esperança é que esses influenciadores sejam mais eficientes do que os influenciadores humanos.

Mas, espere aí. Eficientes no quê?

Eficientes em agir a partir de dados e estatísticas. Em entregar o que a indústria do marketing chama de personas, ou seja, simulacros de gente, baseados em perfis de nichos de possíveis consumidores.

É certo que, observando nossa atividade na internet, os computadores e os marketeiros sejam capazes de deduzir nossas personas. Sim. A minha e a sua. E eles podem produzir um influenciador perfeito para o nosso perfil.

Mas, já que somos humanos, também está nos nossos perfis, a desconfiança diante da eficiência. Sabe a lógica do "esmola demais, santo desconfia?" Ela pode aparecer quando percebemos que alguém foi cuidadosamente fabricado para tocar nossos corações. Nós nos sentimos ofendidos, manipulados.


Miquela só é possível porque vivemos numa sociedade padronizante. Por mais que a gente pareça diferente, que as comunicações soem completamente incompreensíveis de uma bolha para a outra, ainda assim consumimos informações nos mesmos lugares e nas mesmas plataformas.

E também de um jeito robótico: rapidamente, buscando mais do mesmo, reagindo instantaneamente. O conteúdo pode parecer diferente, mas a estrutura da nossa comunicação cada vez mais é uma máquina centralizadora.

Mas, cedo ou tarde, tudo muda, não é?

Será que tendência dos Robôs Influenciadores vai funcionar a longo prazo? Ou vai gerar um movimento contrário, de desconfiança de tudo o que se pareça "espontâneo" e "conectado com as minhas verdades mais profundas"?

Será que, depois de tantas marcas tentando abduzir (ou produzir) influenciadores humanos, isso vai gerar um cansaço, e uma cultura formalista, hermética, resistente à qualquer manifestação pública de intimidade?

Ou será que, no futuro, vamos ter sérias dificuldades de perceber se estamos agindo de maneira robótica ou espontânea? Como no Blade Runner, será que vamos ter uma certa dúvida de que estamos agindo como humanos?

Só o tempo vai dizer. Mas, por enquanto, meu lado humano não consegue se livrar da desconfiança da colonização que o marketing está fazendo da intimidade e da espontaneidade.

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